Terras Raras e o Dilema Brasileiro: Oportunidade Estratégica em Tempos de COP 30 (por Bruce G. Glazier)

Pouco mencionado nas discussões internacionais, o Brasil possui a segunda maior reserva de terras raras do planeta, com cerca de 21 milhões de toneladas em equivalente de óxidos — aproximadamente 23% do total mundial, [...]

Dentro de um simples par de fones de ouvido ou no motor de um carro elétrico reside um dos elementos mais estratégicos da economia global contemporânea: as terras raras. Esses metais, agrupados sob nomes pouco familiares como neodímio, praseodímio e disprósio, são essenciais para ímãs permanentes de alta potência utilizados em tecnologias de energia limpa, sistemas de defesa, satélites, turbinas eólicas e dispositivos eletrônicos portáteis.

A recente reportagem da Sky News revelou que cerca de 70% da produção mundial de terras raras está concentrada na China — país que, em 2025, passou a exigir licenças de exportação para determinados compostos estratégicos, num gesto interpretado como instrumento de pressão geopolítica. Essa medida reacendeu temores de uma possível guerra comercial verde, em que o controle de minerais críticos substituiria o petróleo como fator de poder econômico e político.

Pouco mencionado nas discussões internacionais, o Brasil possui a segunda maior reserva de terras raras do planeta, com cerca de 21 milhões de toneladas em equivalente de óxidos — aproximadamente 23% do total mundial, segundo estimativas da Investing News Network.

Esse potencial coloca o país numa posição estratégica para a transição energética global. A mina de Serra Verde, em Minaçu (Goiás), iniciou operações comerciais em 2024, tornando-se o primeiro projeto latino-americano de grande escala voltado à produção sustentável de terras raras. O empreendimento foca em quatro elementos fundamentais para ímãs de alto desempenho — neodímio, praseodímio, disprósio e térbio — e marca um divisor de águas na mineração brasileira.

A localização do país, aliada à disponibilidade de energia predominantemente renovável, sobretudo hidrelétrica, oferece uma vantagem comparativa rara: produzir minerais críticos com pegada de carbono mais baixa que a média mundial. Em tese, o Brasil poderia tornar-se um fornecedor confiável e ambientalmente competitivo de insumos para a economia verde.

Entretanto, a mineração de terras raras não é isenta de dilemas. Ao contrário do que o nome sugere, esses elementos não são geologicamente escassos — o que os torna “raros” é o processo complexo, caro e ambientalmente agressivo necessário para separá-los e refiná-los em grau industrial.

Os impactos ambientais são consideráveis. O refino exige volumes imensos de energia elétrica, reagentes químicos corrosivos e descarte de rejeitos tóxicos, que frequentemente contêm metais pesados e resíduos radioativos, como o tório. Em países onde a regulação ambiental é frágil, os danos podem ser duradouros — contaminando solos, cursos d’água e ecossistemas locais.

A China domina o setor justamente porque aceitou, nas últimas décadas, os custos ambientais e sociais desse modelo de produção. Enquanto EUA, Europa e Japão reduziram suas operações, o país asiático consolidou uma cadeia industrial integrada e autossuficiente, tornando-se praticamente insubstituível.

O Brasil, ao buscar ingressar nesse mercado, precisa aprender com essa experiência. Industrializar sem repetir os erros ambientais de outros países será o verdadeiro desafio. É necessário garantir tecnologias de beneficiamento limpo, monitoramento de resíduos e transparência na governança minerária — sob pena de trocar um “boom verde” por um novo ciclo de passivos ambientais.

Há também o risco clássico da economia brasileira: exportar matéria-prima e importar produtos acabados. Se o país se limitar à extração bruta, perderá o valor agregado de cadeias industriais como a de ímãs de neodímio — essenciais para motores elétricos e turbinas eólicas.

Sem investimentos em refino, P&D e manufatura local, o Brasil corre o risco de ser apenas um fornecedor barato de insumos estratégicos para as potências tecnológicas.

O verdadeiro ganho estaria em integrar a cadeia de valor, atraindo indústrias de componentes e equipamentos de energia limpa. Isso exigirá planejamento estatal, incentivos fiscais, infraestrutura energética robusta e parcerias tecnológicas internacionais.

A iminente COP 30, que será sediada em Belém do Pará, oferece ao Brasil uma vitrine única diante do mundo. Entretanto, pode não ser o momento ideal para colocar a mineração de terras raras no centro do discurso.

Há uma contradição perceptiva inevitável: o país anfitrião de uma conferência sobre descarbonização e proteção ambiental dificilmente será bem recebido se anunciar simultaneamente a expansão de uma atividade notoriamente poluente e intensiva em energia.

Durante a COP, cada gesto será observado por ambientalistas, diplomatas e investidores institucionais. Um anúncio precipitado sobre o avanço das terras raras poderia ser interpretado como greenwashing — ou, no mínimo, como falta de sensibilidade climática.

Além disso, há o risco de acirrar tensões internas com comunidades tradicionais e movimentos socioambientais, sobretudo na Amazônia e no Cerrado, regiões onde se concentram parte dessas reservas.

O caminho mais prudente seria apresentar o tema de forma técnica e gradual, enquadrando-o na narrativa de “minerais críticos para a transição energética”, e não como um novo ciclo de mineração em larga escala.

Durante a COP 30, o Brasil poderia enfatizar seu compromisso com a mineração sustentável, com rastreabilidade, energia limpa e compensações ambientais rigorosas, além de convidar parceiros internacionais a cooperar em pesquisa e inovação.

O discurso deve ser de transição responsável, não de exploração imediata. A oportunidade existe — mas será duradoura apenas se ancorada em planejamento, ciência e transparência.

As terras raras são o “petróleo do século XXI” — mas com um paradoxo embutido. São indispensáveis à economia verde, mas sua extração ainda carrega o peso da era industrial. O Brasil, com sua vasta biodiversidade e matriz energética relativamente limpa, tem a chance de mostrar ao mundo que é possível desenvolver esse setor de forma ética e sustentável.

O desafio não é apenas técnico. É civilizatório: provar que riqueza mineral e responsabilidade climática podem coexistir — e que a liderança climática de um país se mede não apenas pelo que ele preserva na superfície, mas também pelo modo como lida com o que está escondido debaixo dela.

Bruce Grant Geoffrey Payne Glazier
Membro Externo e Presidente do Conselho Consultivo da Fex Agro Comercial
Diretor da Valoradar
Trabalhou nos Bancos Lloyds, Singer & Friedlander e Mizuho e nas empresas Abril, Suez Environnement, TCP Partners e BTG Globa
Membro de Conselho certificado pela Fundação Dom Cabral
Mestrado em Finanças pela London Business School
Bacharelado em Economia e Ciências Políticas pela Northwestern University