O desafio da literacia digital nesta nova era de inteligência artificial

A digitalização acelerada e a ascensão da Inteligência Artificial (IA) estão redefinindo a economia global. No Brasil, [...]

A digitalização acelerada e a ascensão da Inteligência Artificial (IA) estão redefinindo a economia global. No Brasil, onde o avanço tecnológico acontece de forma desigual entre setores e regiões, surge uma questão fundamental: o país está preparado para transformar a IA em uma vantagem competitiva?

A resposta passa por um fator essencial – a literacia digital. Mais do que saber operar dispositivos ou aplicativos, trata-se da capacidade de interpretar dados, proteger informações, validar conteúdos e, acima de tudo, utilizar ferramentas tecnológicas para inovar e impulsionar negócios. Em um cenário onde a IA já influencia decisões estratégicas e modelos produtivos, quem não souber utilizá-la corre o risco de ficar para trás.

A Revolução da IA já começou – mas quem está pronto para ela?

O Brasil já está imerso no uso de IA, ainda que muitas vezes de forma imperceptível. Plataformas como Netflix, Spotify e Google personalizam conteúdos por meio de algoritmos avançados. No setor financeiro, bancos como Itaú, Nubank e Bradesco empregam IA para análise de risco, automação de atendimento e combate a fraudes. O varejo digital já inclui IA na gestão de estoques e personalização de recomendações.

Além disso, a inteligência artificial começa a impactar a gestão pública e a infraestrutura do país. A Receita Federal e o Banco Central já recorrem a algoritmos para monitoramento de transações, enquanto o setor de transportes explora IA para otimizar o tráfego urbano. No agronegócio, soluções possibilitam a análise preditiva de safras, ampliando produtividade e reduzindo desperdícios.

Se, por um lado, a IA tem potencial para impulsionar o crescimento econômico e tornar processos mais eficientes, por outro, expõe lacunas de capacitação profissional e regulamentação no país. O ritmo da inovação avança mais rápido do que a adaptação do mercado de trabalho e das políticas públicas, o que pode ampliar desigualdades e dificultar o acesso a oportunidades emergentes.

IA e o futuro do trabalho: risco ou oportunidade?

A automação e a inteligência artificial inevitavelmente transformarão o mercado de trabalho. De acordo com um estudo recente da EY, até 40% das funções atuais poderão ser parcial ou totalmente automatizadas nos próximos anos. Cargos administrativos, operacionais e de atendimento ao cliente estão entre os mais impactados.

Esse cenário gera preocupações legítimas, mas também abre novas oportunidades. Como afirmou Mustafa Suleyman, cofundador da DeepMind, “A IA não substituirá humanos, mas aqueles que souberem usá-la substituirão os que não souberem”. A chave para manter a competitividade no mercado não está em resistir à IA, mas sim em aprender a utilizá-la estrategicamente.

Enquanto algumas funções tradicionais perdem espaço, novas profissões surgem, especialmente nas áreas de análise de dados, automação de processos, cibersegurança e desenvolvimento de software. O desafio não é apenas gerar empregos, mas garantir que a força de trabalho tenha as competências necessárias para atuar nesse novo ambiente digital.

A educação tecnológica precisa ser encarada como prioridade nacional. A ampliação de iniciativas como os cursos do SENAI em Indústria 4.0 e os investimentos em programas de capacitação promovidos pelo SEBRAE são exemplos positivos, mas insuficientes. Tal como outras nações, será necessária uma abordagem coordenada que envolva escolas, universidades e empresas, garantindo que a formação digital atinja profissionais de diferentes níveis e setores.

Como o Brasil pode liderar a transformação digital?

A integração da IA na economia brasileira exige um esforço conjunto entre o setor privado, o governo e o meio acadêmico. Algumas direções estratégicas são essenciais para que o país transforme a inteligência artificial em um diferencial competitivo:

Revisão curricular e capacitação em larga escala

1- Inclusão de conteúdos sobre tecnologia e pensamento computacional na educação básica;

2- Expansão de parcerias entre universidades e empresas para formação prática em IA;

3- Incentivos para especialização de profissionais em áreas como ciência de dados e automação.

Criação de políticas públicas para inovação e regulação da IA

1- Definição de um marco regulatório para garantir o uso responsável e ético da IA;

2- Fomento à pesquisa e ao desenvolvimento de soluções tecnológicas nacionais;

3- Programas de apoio a startups que desenvolvam aplicações de IA voltadas a desafios brasileiros, como logística e mobilidade urbana.

Empresas como agentes de mudança tecnológica

1- Adoção de IA para otimização de processos e aumento da competitividade;

2- Desenvolvimento de plataformas que utilizem IA para resolver gargalos nacionais, como o setor de saúde pública e o agronegócio;

3- Estímulo à digitalização de pequenas e médias empresas, promovendo inclusão no novo cenário tecnológico.

A decisão é agora: impulsionar ou ser impulsionado pela IA.

O avanço da Inteligência Artificial não é um fenômeno futuro – ele já está acontecendo e alterando as bases da economia e do mercado de trabalho. Para o Brasil, a escolha é clara: adaptar-se e liderar essa transformação ou tornar-se dependente de tecnologias externas e perder competitividade.

Se a literacia digital for priorizada como um pilar do desenvolvimento nacional, o Brasil poderá posicionar-se como um polo de inovação em IA, impulsionando a produtividade e gerando novas oportunidades para a sua população. Como afirmou Bill Gates, “O sucesso no futuro será determinado pela capacidade de aprender mais rápido do que a concorrência”. E como sabemos e apesar de se perspectivar uma revisão dos blocos económicos como conhecemos, a concorrência ainda terá de ser considerada global.

A questão central não é se a IA mudará o Brasil, mas sim como o país se preparará para essa mudança.


Filipe Colaço é Engenheiro Civil pela Universidade Nova de Lisboa, MBA pela Henley Business School, e Director da Consulting Services EY Angola. Tem 18 anos de experiência em companias multinacionais, como a Deloitte e Boston Consulting Group, com projetos em Energia, Agronegócios, Mineração, Construção e Sector Público