Música do Alto (por Vera Helena Castanho)

Há músicas que só surgem quando muitas vozes se encontram. Não falamos de músicos reunidos, nem de [...]

Há músicas que só surgem quando muitas vozes se encontram.
Não falamos de músicos reunidos, nem de corais afinados.
Falamos de harmonia
essa rareza que acontece quando pessoas, ideias e decisões
se alinham num mesmo campo silencioso de compreensão.

É uma sintonia que não se força,
apenas se revela quando o encontro é verdadeiro.
Uma melodia que organiza, eleva e permite o que sozinho seria impossível.

Há sons que não nascem das cordas vocais,
mas do intervalo entre as pessoas,
na delicadeza das relações humanas,
onde cada encontro é a chance de um novo acorde.

É ali que percebemos que a harmonia não é apenas um estado interno,
mas um fluxo que circula entre presenças, gestos e palavras,
quase sempre no subterrâneo do que conseguimos explicar.

Harmonia não é consenso.
É disposição.
É o trabalho fino de ajuste das diferenças sem anular singularidades,
de permitir que cada voz ofereça sua melhor nota ao conjunto.

A convivência deixa de ser ruido e se transforma em composição
quando aprendemos a escutar o que já existe
antes de oferecer o que queremos dizer.
Relações maduras dispensam espetáculo:
pedem lucidez, entrega e a delicada coragem de manter o respeito,
mesmo diante das tensões inevitáveis.
E quando mentes distintas alcançam a mesma clareza,
surge uma luz que ninguém produziria sozinho.
É o instante em que tudo parece vir “do alto”:
não por ser sobrenatural,
mas por tocar essa camada mais fina onde o sentido se ordena.

A verdadeira música do alto é sempre coletiva.
É o que aparece quando deixamos de tocar para nós mesmos
e passamos a tocar com o mundo,
num gesto que honra a partilha, a consciência
e o compromisso silencioso com o que precisa acontecer.

No trabalho, essa música se manifesta
nos momentos discretos em que equipes inteiras se alinham
a algo maior que a soma das individualidades.
Sem anúncio, sem esforço.
Apenas um movimento interno que atravessa o grupo
e dá direção:
ideias convergem, decisões ganham contorno,
o propósito respira mais fundo.

Talvez seja isso que chamamos de maturidade:
quando o essencial deixa de ser buscado
e passa a ser percebido.

Uma clareza que não se impõe,
se revela.

Vera Helena Castanho é Psicoterapeuta Base Analítica

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