
O vazio avança e o real se desfaz diante de nossos olhos. Entre imagens, notícias, estímulos incessantes e promessas, o mundo se tornou um espetáculo de aparências e máscaras. O ilusório não encanta mais: agora corrói. Dissolve contornos, confunde referências e deixa um espaço silencioso e inquietante, onde antes a realidade se sustentava no bom combate. Não estão mais visíveis sinais que nos permitam perceber e agir diante dos desabamentos obscuros, impostos e poderosos.
Esse vazio vai além da simples ausência. É uma presença inquietante, um espelho que nos confronta com o nada, com a flutuação que desequilibra e clama por valores à deriva. A dúvida, o incerto e as pontes que atravessam as estruturas humanas se quebram antes de alcançar o outro lado.
O valor da vida tem sido colocado em questão. Sentimo-nos estranhos e confusos diante do diverso, como se o mundo tivesse mudado de pele e não conseguíssemos mais reconhecer nossa própria essência para o viver, o viver através de buscas que promovem progresso e evolução do ser humano. É nesse espaço que percebemos a fragilidade das certezas, a instabilidade dos valores e a urgência de refletir sobre o que realmente importa.
“Rasgar o papel do mundo e olhar a própria essência.” — Clarice Lispector
E é justamente nesse vale profundo de ausência de sentidos que a lucidez, rara e vigilante, ainda pode se manifestar, encontrando frestas de acesso ao que parecia impossível.
Quando o real se desfaz entre ilusões, imposições sem sentido e manejos silenciosos que escapam à razoabilidade, cabe às mentes expandidas, atentas e pensantes seguir incessantes, conscientes do papel que lhes cabe: manter a força da sanidade, recriar significados, reforçar recursos internos, reinventar referências e dar densidade às experiências. Não se trata apenas de negar o ilusório, mas de colocá-lo em diálogo com o simbólico, permitindo que a vida não se reduza a pura simulação ou máscaras.
Entre o real e o ilusório, o vazio pode ser semente. Ele invade, provoca, inquieta e desperta. Cada simples ideia, uma decisão, por mais discreta que seja, carrega poder de transformação pessoal.
“O homem está condenado a ser livre.” — Sartre
A escolha é permanecer prisioneiro da ausência, do vazio, do desgaste interno, ou optar pela reconstrução de valores, princípios e hábitos que fortaleçam o indivíduo, promovendo clareza, sentido e presença no mundo.
O vazio é o território onde se decide a reconstrução do consciente. A mudança começa no interior, silenciosa, mas com efeito profundo sobre a própria vida e sobre a forma como se decide viver cada momento.
Vera Helena Castanho é Psicoterapeuta em Base Analítica.