A voz que habita em nós (por Vera Helena Castanho)

a voz que habita em nós não é apenas som: é existência em movimento, é memória viva do que fomos e prenúncio do que ainda seremos..[...]

A linguagem nos molda antes mesmo de nos percebermos já na busca de sentido.

Chegamos ao mundo comunicando nossa presença pelo choro.

Seguimos balbuciando sons desconexos que se traduzem em fome, frio, calor, dor, dependência. Sobrevivência e afeto.

As primeiras palavras, sussurradas na escuta materna, semeiam nossa percepção do mundo e a forma como habitamos a nós mesmos.

É nesse vínculo inicial que percebemos o ritmo da nossa voz, a força com que impulsionaremos a vida, a importância do silêncio e a reverberação de cada palavra, até mesmo das não ditas.

“Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo.” (Wittgenstein)

Vygotsky, psicólogo russo-soviético, apresentou-nos teorias sobre o desenvolvimento cognitivo, a aprendizagem e o papel da cultura e da interação social.

Ele nos ensina que o pensamento nasce do diálogo e que a linguagem é a ponte que conecta o mundo interno ao mundo externo, realizando a comunhão do eu com o outro.

Pela fala, o ser humano transforma ruído em sentido, sensação em consciência, experiência em memória.

É no encontro com o outro que o pensamento se organiza, amadurece e se faz entendimento.

Nesse diálogo contínuo, nossa singularidade se estrutura e o invisível ganha forma.

As interações com o mundo transformam-se em processos internos de pensamento e valor, moldando o modo como sentimos, compreendemos e habitamos o real.

Cada palavra e cada pausa tecem a consciência, abrindo espaço para existir, compreender e transformar o mundo ao redor.

Entre o eco do silêncio e a ressonância do som, a palavra imprime em nosso íntimo sua presença sagrada e transformadora.

Assim, a voz que habita em nós não é apenas som: é existência em movimento, é memória viva do que fomos e prenúncio do que ainda seremos.

Ao reconhecermos a linguagem como extensão da nossa essência, percebemos que falar é mais do que comunicar, é manifestar o invisível, tocar o intocável, aproximar-se do mistério.

Que nunca nos falte escuta, nem coragem para nomear o indizível.

Pois é na delicadeza desse atravessamento que se revela o sopro divino da palavra, a presença viva da humanidade que nos une ao mundo e uns aos outros.


Vera Helena Castanho é Psicoterapeuta em Base Analítica.