A Gramática Política do Brasil: Clientelismo e Insulamento Burocrático

Vamos falar sobre quatro “gramáticas” que, por mais estranho que pareça, explicam como o Brasil pode ser, ao [...]

* Nota da Editoria: resenha solicitada ao The Examiner IA do livro “A Gramática Política do Brasil: Clientelismo e Insulamento Burocrático”, de Edson de Oliveira Nunes. A “Gramatica Política do Brasil” traz uma das mais significativas teorias para o entendimento do país.*

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Hoje, vamos explorar as regras ocultas da política brasileira.

Vamos falar sobre quatro “gramáticas” que, por mais estranho que pareça, explicam como o Brasil pode ser, ao mesmo tempo, um gigante industrial moderno e um lugar onde tudo funciona com base em favores pessoais. Pensa bem. Como um país pode ser um gigante industrial moderno e uma terra de favores pessoais ao mesmo tempo?

Parece que não faz sentido, certo? Um lugar com um sistema financeiro super avançado, mas onde muita coisa ainda depende de quem você conhece e dos acordos feitos nos bastidores. Parece uma contradição total. Mas, na verdade, isso é a chave para entender o Brasil.

Durante muito tempo, a explicação mais comum para isso foi a chamada teoria dos dois Brasis. A ideia era bem simples: existia um Brasil moderno e industrial e um Brasil tradicional e rural. E a história contava que esses dois mundos viviam em constante conflito, como se estivessem em guerra.

Mas e se essa não for a maneira certa de enxergar a coisa? É aí que entra o cientista político Edson Nunes. Ele basicamente disse: olha, essa história de dois Brasis está perdendo o ponto principal. Ele argumentou que o moderno e o tradicional não somente brigaram. Não, eles, na verdade, se fundiram.

Se misturaram para criar um sistema incrivelmente complexo. Para entender isso de verdade, Nunes nos oferece uma nova forma de desvendar o enigma. Esqueça a ideia de dois Brasis. Em vez disso, imagine um único sistema operando com quatro conjuntos diferentes — e muitas vezes conflitantes — de regras. Ele chama essas regras de “gramáticas”. São como o software invisível, os verdadeiros códigos operacionais que fazem o país funcionar.

Certo, então a gramática número um é o clientelismo. Provavelmente é a que você já ouviu falar. É tudo sobre relações pessoais, lealdade e troca de favores. Sabe aquela ideia clássica de que não importa o que você sabe, mas quem você conhece? Esse é o mundo do famoso jeitinho brasileiro — aquele jeitinho para contornar as regras. As leis escritas importam, sim, mas quem você conhece, do vereador ao presidente, muitas vezes importa muito mais.

A próxima é a gramática número dois: o corporativismo. Essa é um pouco diferente. Pense nela como o Estado assumindo o papel de organizador supremo, de cima para baixo. O presidente Getúlio Vargas foi o mestre nisso nos anos 1930. Ele basicamente criou grupos oficialmente autorizados pelo Estado para todos — sindicatos, associações industriais, o que fosse. O objetivo era administrar e controlar os conflitos sociais e econômicos tornando todos parte da estrutura oficial do Estado.

Depois, temos a gramática número três, e essa é bem engenhosa: o insulamento burocrático. Pergunte-se: como é possível realizar coisas grandes, importantes e modernas num país que também funciona na base do favor pessoal? A resposta de Nunes: você cria “ilhas de racionalidade”. Você constrói agências especiais, enche elas de técnicos qualificados — e não de aliados políticos — e constrói uma espécie de barreira ao redor delas para protegê-las do caos político. Assim, elas podem, de fato, fazer seu trabalho.

E, finalmente, a gramática número quatro: o universalismo dos procedimentos. Essa provavelmente soa mais familiar. É o ideal moderno, não é? Regras impessoais, direitos iguais para todos os cidadãos, um sistema baseado em leis e mérito — e não em quem é seu tio.

E, como você pode imaginar, essa ideia vive em constante conflito com as outras três gramáticas. Neste gráfico, tudo fica bem claro. Veja como está dividido: de um lado, pessoal versus impessoal; do outro, participantes iguais versus desiguais.

O clientelismo é pessoal e desigual — tudo gira em torno de tratamento especial. O universalismo, por outro lado, é totalmente impessoal e igualitário — as mesmas regras para todos. Os outros dois, corporativismo e insulamento burocrático, são impessoais, mas ainda tratam as pessoas de maneira desigual, com base no grupo a que pertencem. A política brasileira é basicamente um jogo que se desenrola nesse tabuleiro, mudando constantemente de um quadrante para outro.

Se você fosse um líder no Brasil do século XX, qual seria o segredo do sucesso? Qual seria o “fórmula secreta”? A verdade é que os melhores não escolhiam apenas uma dessas gramáticas para seguir. De jeito nenhum. Eles viraram verdadeiros malabaristas. Aprendiam a usar todas as quatro gramáticas ao mesmo tempo, para administrar o país e levar adiante suas agendas. E esse ato de malabarismo realmente definiu toda uma era da história brasileira — um período de enorme construção do Estado.

Para ver como isso funcionava na prática, vamos focar em dois presidentes que eram mestres na arte: Getúlio Vargas, que assumiu o poder em 1930, e Juscelino Kubitschek, ou JK, o líder dos grandes planos no final dos anos 1950.

Vargas foi o verdadeiro arquiteto de todo esse sistema. Ele era brilhante nisso. Viu que o clientelismo acontecia de forma local e o nacionalizou — o trouxe para o seu controle para gerenciar as velhas elites. Usou o corporativismo para organizar e controlar a crescente classe trabalhadora urbana. Para implementar suas reformas, criou agências isoladas como o DASP. Ele literalmente operava com as quatro gramáticas ao mesmo tempo, usando cada uma como uma ferramenta específica para construir um Estado mais forte e centralizado.

Aí veio JK, que pegou esse ato de malabarismo — essa “arte de malabarismo”, como se diz em português — e a aperfeiçoou. Pensa bem: para construir Brasília, sua incrível e futurista nova capital, ele apostou tudo no insulamento burocrático. Precisava daqueles especialistas protegidos da política. Mas, para agradar o Congresso e aprovar seus orçamentos, era mestre do clientelismo tradicional, distribuindo favores para todos os lados. Foi uma aula de como usar abordagens completamente contraditórias para realizar algo gigantesco.

E isso nos leva de volta à pergunta fundamental: como construir uma economia moderna quando tudo parece girar em torno de favores políticos? A resposta — ou pelo menos uma grande parte dela — está naquela gramática mais inovadora que falamos: o insulamento burocrático.

Vamos destrinchar como eles faziam isso, quase como um manual. Aqui vai a receita de quatro passos para construir uma dessas ilhas de racionalidade: 1- Você define um objetivo nacional, algo ambicioso. 2- Cria uma agência especial, autônoma, fora da lama política do dia a dia. 3- E esse é o ponto crucial: enche ela de especialistas técnicos, não de apadrinhados políticos. 4- E protege ferozmente essa agência — seu orçamento, sua missão — das pressões políticas.

Fazendo isso, você cria uma bolha protegida onde projetos sérios e de longo prazo realmente podem acontecer. E a verdade é que funcionou. Funcionou de forma espetacular. Essas agências isoladas foram os verdadeiros motores do milagre econômico brasileiro do meio do século XX. Estamos falando de gigantes como o BNDES — o Banco Nacional de Desenvolvimento que financiou tudo — e a Petrobras, a estatal do petróleo. Não eram empresas estatais comuns. Eram bolhas poderosas e protegidas que literalmente construíram o Brasil industrial moderno.

Fizeram coisas que o sistema político tradicional nunca teria conseguido.

Agora, talvez você esteja pensando: “tudo isso é uma história fascinante, mas por que um modelo dos anos 30 ou 50 ainda importa hoje?” E essa é uma ótima pergunta. A resposta é simples: porque essas quatro gramáticas nunca desapareceram. Elas ainda estão aqui. Evoluíram, certamente, mas continuam sendo as forças fundamentais que moldam os conflitos e compromissos da política brasileira atual. A grande diferença hoje é que o equilíbrio mudou.

O clientelismo? Continua muito vivo. Só que agora adaptado à era digital e à política moderna. O corporativismo também mudou — não é mais o Estado controlando tudo, mas sim grupos sociais poderosos. O universalismo dos direitos ganhou um grande impulso com a Constituição de 1988, mas vive sendo desafiado. E o velho truque do insulamento burocrático, hoje em dia, muitas vezes é visto como antidemocrático.

O malabarismo ainda acontece, mas as bolas são outras, e o jogo está muito mais difícil. Nunes usa uma citação de Umberto Eco no seu livro, que diz tudo: “O máximo de confusão somado ao máximo de ordem”. Me parece um cálculo sublime.

Parece que não faz sentido, não é? Mas esse é o Brasil. Um sistema que parece totalmente caótico na superfície, mas que, por baixo, tem uma espécie de ordem funcional — um cálculo sublime.

E, no fim das contas, se for para tirar uma única lição disso tudo, que seja esta: a história do Brasil moderno é a história desse equilíbrio delicado. Quando os líderes souberam equilibrar bem as quatro gramáticas, o país viveu períodos incríveis de crescimento e estabilidade. Mas sempre que o sistema sai de equilíbrio — quando uma gramática tenta dominar totalmente, seja o clientelismo desenfreado ou o controle estatal pesado — é aí que surgem as crises.

O equilíbrio é tudo. E isso nos leva à grande e inevitável questão sobre o futuro do Brasil: essas quatro gramáticas não vão desaparecer. Estão enraizadas no DNA político do país. O desafio, portanto, não é eliminá-las. O verdadeiro desafio é encontrar uma nova combinação, um novo malabarismo — mais democrático — que funcione para o século XXI.

E é por isso que esse modelo é tão poderoso. Não é só uma lição de história. É uma lente para entender tudo o que está acontecendo no Brasil hoje — e tudo o que está por vir.

* Nota da Editoria: resenha solicitada ao The Examiner IA do livro “A Gramática Política do Brasil: Clientelismo e Insulamento Burocrático”, de Edson de Oliveira Nunes. É de impressionar a resenha feita pela IA. A “Gramatica Política do Brasil” traz uma das mais significativas teorias para o entendimento do país.



Edson de Oliveira Nunes é Ph.D. em Ciências Políticas pela Universidade de Berkeley. Foi Presidente do IBGE, Presidente do Conselho Nacional de Educação, e é Professor Emérito da Universidade Candido Mendes. Autor