
Há momentos em que o mundo se aquieta. Não porque fique mais silencioso, mas porque, de repente, nós ocupamos o lugar que é nosso. A presença tem esse poder: ela devolve o contorno da vida, como se acendesse uma luz sobre o que estava ali o tempo todo, mas que corríamos demais para enxergar.
Vivemos numa época em que quase tudo disputa nossa atenção. É irônico: quanto mais nos conectamos, menos nos percebemos. Estar presente se tornou um ato de resistência, uma forma de desacelerar o pensamento e reconhecer que aquilo que importa raramente faz barulho. A presença não grita e não exige. Ela acontece. E, quando acontece, transforma.
Presença não é apenas marcar território no tempo. É habitar o próprio corpo, aceitar o próprio ritmo, suportar o desconforto e também o encanto. É olhar o outro sem antecipar respostas. É permitir que as relações deixem de ser um jogo de interpretações e voltem a ser um encontro de realidades.
Estar presente de verdade, seja no trabalho, no negócio, diante de alguém ou de nós mesmos, é um gesto raro. Quando estamos por inteiro, com a consciência plena do que sentimos e do que fazemos, algo silencioso se reorganiza: o mundo interior se alinha e o ambiente externo responde. Clarice Lispector nos diz que a verdadeira compreensão nasce quando tocamos o instante com autenticidade. É essa qualidade de presença, sem defesas, sem pressa, sem máscaras, que ilumina o que antes estava disperso. Onde estamos inteiros, o espaço ao redor igualmente se transforma.
Penso hoje em Jimmy Cliff, tão poeticamente luminoso. Uma das suas canções fala justamente dessa travessia:
quando a clareza finalmente chega, ela abre o céu por dentro da gente.
Não porque o mundo mudou, mas porque, de repente, conseguimos ver.
Talvez seja isso que explique por que muitos se sentem exaustos: não é o excesso de tarefas, mas o excesso de ausências. A vida pede que voltemos. Pede que ocupemos o instante antes que ele acabe.
Escrevo sobre a experiência da presença porque percebo que ela é a fronteira entre sobreviver e viver. E, no fundo, todos nós sabemos disso: quando alguém está realmente presente, o mundo inteiro parece menos pesado.
A presença é simples. O difícil é aceitar que ela cobra de nós a coragem de existir por completo.
Vera Helena Castanho é Psicoterapeuta Base Analítica


