A dificuldade de se comunicar

Comunicar de uma forma linear com a maior simplicidade possível, sem rodeios e entretelas, sempre facilita para as [...]

Comunicar de uma forma linear com a maior simplicidade possível, sem rodeios e entretelas, sempre facilita para as partes. Mas, no dia a dia das pessoas, os assuntos também podem se tornar nebulosos quando alguém, por um desses vastos defeitos que o ser humano carrega consigo, tende a dificultar as coisas.

Alguns temas são facilmente absorvidos por uma maioria e trazem até uma certa empolgação. Outros mais complexos se tornam difíceis, até mesmo pela inabilidade de quem está comunicando.

Podemos citar vários assuntos que, quando estão na mídia, tem uma propagação imensa. As famosas receitas culinárias com que as emissoras ilustram suas programações, são um exemplo. A fórmula é simples e não tem erro de se fazer entender: tantos quilos de farinha, outros de açúcar, uma dúzia de ovos…, e pronto, de qualquer forma o bolo ou o prato da receita sairá em milhões de lares desse país. Agora, se ao invés de doze dúzias de ovos o apresentador colocar: uma grosa de ovos, já complicou o caso, excluindo muita gente de saborear o bolo.

Da mesma forma, outras matérias despertam interesse em mais pessoas que as discutem até com certa propriedade. As fofocas artísticas, por exemplo, trazem uma audiência incrível e todo mundo sabe quem está namorando com quem, quem separou, quem traiu…, aliás, segundo pesquisas do instituto “data buteco” a fofoca ganha do futebol, do baralho e da purrinha como a atividade mais popular praticada e prestigiada em nosso país.

Outra questão que não traz muitos problemas de compreensão pelo público em geral é o futebol. Apesar dos fatos negativos que sempre acontecem no extracampo, ele é uma grande festa popular, além de ser um importante fator de divisas para a economia mundial no ramo do entretenimento. Para se ter uma ideia, mais de duzentos milhões de pessoas, no mundo inteiro, vivem dele, direta ou indiretamente. É uma matéria pela qual todos os que se interessam por ela discutem, cheios de razão, independente de classe social, time por quem torcem… Aqui no Brasil, grande parte da população sabe e opina sobre ele nas ruas, praças, ambientes de trabalho…

Inclusive as mulheres, que demoraram mais a aderir a essa conversa, já sabem o que é um impedimento, um corta luz, uma bola dividida… Tudo pelo fato de que o assunto é colocado com muita simplicidade pelos seus comunicadores. A criançada chega a delirar.

Diante dessa facilidade de compreensão das minúcias do futebol e da forma contagiante que elas se manifestam entre a população, o dramaturgo, cronista esportivo…, Nelson Rodrigues já dizia que das coisas menos importantes da vida, o futebol é a mais importante. No que o mestre Kafunga completava com seu grande humor: “aí meus amigos, não tem coré, coré!”.

Já outros temas do nosso dia a dia, muitas vezes se tornam ininteligíveis e o cidadão comum ou mesmo os mais graduados não conseguem acompanhá-los com facilidade. Nos noticiários políticos e econômicos, por exemplo, as coisas se complicam quando a mídia descarrega alguns termos mais difíceis de entender: base aliada, acordo das lideranças, voto distrital misto, quórum, taxa Selic, spread bancário, commodities, dólar e juros flutuantes, fundos derivativos… Ufa!

Quando o assunto é informática, o excesso de palavras estrangeiras confunde mais ainda se o interlocutor começa a falar em: upgrade, download, upload… , o desinteresse quase se estabelece. Da mesma forma acontece na busca de informações, para se inteirar dos fatos na área jurídica e se depara com: terceira instância, súmula vinculante, litisconsórcio, princípio da fungibilidade…

Aí o cidadão que não consegue digerir a maioria dos significados das notícias oferecidas diariamente pela imprensa, e a fim de estabelecer uma conversa mais substancial em família ou com os amigos que não seja a culinária, futebol, fofoca…, vai ouvir ou assistir os programas policiais. Nesses casos, muitas vezes, o repórter faz uma pergunta sobre um crime acontecido e aparece um policial civil ou militar com a resposta na ponta da língua e é sempre a mesma: “positivo e operandi, os indivíduos (ou elementos) empreenderam fuga evadindo-se do local, foi lavrado o BO e efetuadas diligências minuciosas para capturar os meliantes, mas, até agora, os rastros dos imputados não foram localizados”. Tudo indica que eles têm passagem pelo 180, 171 ou mesmo o 158…

Mas o que causa a maior estranheza, é que em uma simples e necessária reportagem sobre o clima, que é de uma grande utilidade pública, geralmente não se esclarece o significado do que está sendo informado, deixando grande parte do público a ver navios: “choveu doze milímetros e a umidade relativa do ar está alta devido à frente fria ocasionada pelas correntes marítimas dos oceanos, hoje ela está oitenta por cento, diferente de ontem que era quarenta por cento, influenciada pela inversão térmica, aquecimento global e as chuvas intermitentes”… .Isso mesmo, como nas outras matérias sobre política, economia, direito…, não existe uma preocupação didática para que a população saiba com mais nitidez, o que isso quer dizer.

Recentemente, por ocasião de um temporal mais forte que caiu em Belo Horizonte, trazendo enormes prejuízos para uma região da capital, assistimos uma entrevista, onde o engenheiro e professor especializado no assunto, disse com muita bagagem de conhecimento o seguinte: “O que aconteceu foi que a precipitação pluviométrica se tornou muito intensa a montante do principal manancial da bacia, alterando sobremaneira o tempo de recorrência. A percolação foi mínima, o que veio a sobrecarregar o sistema de drenagem pluvial implantado que não absorveu a vazão demandada no período”. Heeeim!

Se fosse o grande Adoniran Barbosa com a sua simplicidade e enorme sabedoria, falaria sobre o mesmo acontecimento ao repórter dessa forma: “onti chuveu muito nas cabiceras do corgo do Onça, em Belzonte, e as águas não conseguiu frechá na terra pois os homi cimentou as ruas e avenidas e a enchente passou por cima até dos viadutos, arrastando os carros,entrando nos prédios, casas e malocas em vorta”. Aí, na certa, todos entenderiam.

Realmente, informar e ser informado é bem mais complicado do que se parece.  Algumas manchetes de jornais tornaram-se muito famosas, como aquela do jornal “Notícias Populares” que trazia em letras garrafais: “CACHORRO FAZ MAL ÀS MOÇAS DO TATUAPÉ!” A edição se esgotou rapidamente e os leitores mais curiosos quando leram a matéria, viram que não se tratava do que eles estavam imaginando e sim de um molho de cachorro quente estragado que as meninas consumiram e que as levou ao hospital.

Também, em plena ditadura militar, um jornal do interior de Minas publicou, talvez por engano ao ser redigida a matéria, essa notícia: “Sábado terá exposição agropecuária na cidade de Pedra Azul com animais de todo o país, Francelino Pereira, Aureliano Chaves e o presidente Figueiredo entre os presentes”. A cópia dessa manchete foi bastante disputada e circulou nos colégios, universidades e o jornal “O Pasquim” a publicou com grande estardalhaço.

Agora repercussão mesmo e até hoje muita gente não acredita que realmente aconteceu, foi quando a Rede Bandeirantes cobria um baile de carnaval no Rio de Janeiro e a repórter era a atriz Cristina Prochaska. O baile corria muito animado e a mulherada estava bem à vontade, sambando em trajes bastante sumários em cima das mesas, cadeiras… . O cameraman focalizava tudo nos mínimos detalhes e à medida que elas sentiam que estavam sendo filmadas, as partes de cima eram gradativamente desnudadas. O diretor do programa vendo aquilo, quase pirou diante do estado avançado dos closes e, através do ponto eletrônico pediu, desesperadamente, a ele que focalizasse a repórter, utilizando o jargão jornalístico: “fecha na Prochaska”. O rapaz, que não sabia que ela tinha esse sobrenome, passou a “genitalizar” mais ainda as imagens. O diretor aos berros gritava: “meu filho, é na Prochaska, na Prochaaaskaaaaaa!… O câmera alucinado, já não sabia mais o que fazer e tentava argumentar: – “Ô chefe, o zoom está no máximo, mais que isso aí é impossível, só se eu encostar lá”… quando tiraram o programa do ar por alguns minutos para que, em “off”, resolvessem o imenso impasse criado.

Como se pode notar, assim como a arte de viver, a de comunicar também é muito difícil, além perigosa!         


José Emílio é Engenheiro Sanitarista e Jornalista