Tempo de gestação (por Vera Helena Castanho)

É Natal. Na tradição cristã, celebra-se a ideia de que Deus se faz carne e assume a fragilidade humana. O Salvador não nasce como [...]

É Natal.

Na tradição cristã, celebra-se a ideia de que Deus se faz carne e assume a fragilidade humana. O Salvador não nasce como rei, mas como recém-nascido, dependente e vulnerável. O Natal marca o fim de uma longa espera messiânica e a passagem de um Deus distante para um Deus que nasce, cresce, aprende e sofre. O sagrado não nasce pronto. Ele se desenvolve. Chega como Deus menino.

O Natal, a celebração sagrada para os cristãos, inspira-me para uma leitura mais ampla, para além da religiosidade: um convite para pensar o que chega, o que irrompe, o que começa a se insinuar sem ainda ter forma.

A ideia de nascimento, deslocada do campo estritamente religioso, nos conduz menos ao acontecimento e mais ao processo. Não ao espetáculo, mas ao tempo silencioso em que algo se forma sem ainda poder ser visto, nomeado ou anunciado.

Gestação. Atentar ao que se forma. Sustentar. Conviver com o inacabado sem exigir definição precoce. Cuidar e acompanhar. A forma não antecede o tempo, ela emerge dele. Isso vale menos para corpos biológicos do que para movimentos internos humanos, decisões, deslocamentos subjetivos que ainda não sabem dizer quem são, mas seguem em evolução até encontrar alguma forma possível.

O útero, aqui, não é metáfora de conforto. É metáfora de trabalho silencioso. Onde nada está pronto, mas tudo está em curso. Não se trata de recomeçar, mas de permitir o surgimento do que ainda não sabemos nomear.

Talvez não estejamos encerrando um ano, mas atravessando tempos de gestação. Um tempo em que a vida não pede anúncios nem promessas, mas abrigo. Interioridade. Um corpo, psíquico, social, simbólico, capaz de sustentar o que ainda não chegou.

Talvez o que este tempo nos convide a fazer não seja celebrar, nem explicar, nem prometer. Talvez o convite seja outro: sustentar. Sustentar o que ainda não tem nome, o que ainda não encontrou forma, o que pede mais tempo do que respostas.

Há algo de profundamente humano e, talvez, profundamente sagrado, em aceitar que nem tudo nasce pronto. Que algumas transformações não se exibem nem se apressam. Elas apenas pedem condições mínimas para existir.

Se houver um gesto possível neste Natal, talvez seja esse: oferecer abrigo ao que está em gestação. Não para antecipar o nascimento, mas para respeitar o processo. Permanecer. Esperar. Escutar.

O resto, quando puder, nascerá.

Vera Helena Castanho é Psicoterapeuta Base Analítica

Compartilhe esse artigo: