Escrever e amar (por Lindolfo Paoliello)

O escritor é o jornalista do eterno. Porque faz arte, e a arte é universal e eterna...[...]

Por que é que se escreve? Por que é que, em especial, se escreve em jornal, angustiante ofício de se arrancar água da pedra, assumindo o risco de fazê-lo em espremido tempo e ocupando exíguo espaço? E por que, diabos, escrever exatamente crônica, propondo-se poesia onde se busca prosa, regularidade naquilo que depende do mais irregular dos dons que é o da inspiração e não se dispondo nem mesmo do direito íntimo de estar triste porque do cronista se espera sempre o bom humor?

Do jornalista vou logo dizendo que escreve por um insano compromisso com a vida, um engajado louco, alguém que, não satisfeito em viver um só papel, quer desempenhar todos os outros. Daí a obsessão do repórter com o tempo. É o único obstáculo para ele intransponível. É o seu limite e por isso o seu fascínio.

Já o escritor padece de insanidade mais sofisticada. É também com o tempo seu compromisso, mas não este tempo apressado, vulgar, do cotidiano. O escritor é o jornalista do eterno. Porque faz arte, e a arte é universal e eterna. Deve ser entendida e fascinar a todos, em qualquer tempo. Que impulso envolve o escritor a criar? Há quem escreve para se libertar, outro para se divertir, um terceiro escreve para melhorar o mundo ou pura e simplesmente na ilusão de ganhar dinheiro.

Fizeram essa pergunta a grandes escritores. Querem ouvir as respostas? “Escrevo para saber por que escrevo” – Alberto Moravia. “Porque estou descontente com o que escrevi e gostaria de corrigir” – Ítalo Calvino. “Para que meus amigos gostem mais de mim” – Gabriel García Márquez. “Para vigiar a mim mesmo” – Laurence Durrel.

ou capaz de dizer que escrevo por amor. É tão raro o afeto, sazonal, eu diria. Sim, porque as pessoas têm a sua estação de afeto. É quando dão flores, perfumam a vida dos outros. Verdade que há quem viva em perene inverno afetivo, incapaz de perceber e de se dar. Pelo sim, pelo não, convém distribuir afeto, que a probabilidade de retorno aumenta. Pragmatismo? Eu não diria. Preferiria chamar de esforço pela vida, da parte de quem entende que sem o afeto, o sentimento, o amor, não tem sentido a vida. Não existe vida. Aí então a literatura se torna, da afeição, objeto e meio.

A literatura é uma arte, amor é uma arte. E esta se aprende praticando. “Escrever se aprende escrevendo”, disse-me uma vez mestre Aires da Mata Machado. E a prática de amar/escrever pressupõe disciplina, concentração, paciência. Para agradar, entreter, influenciar e, quem sabe, elevar e libertar. Oferecendo-se o afeto em elevada tiragem e grande circulação, quem sabe não se obtém como retribuição amor, não só para quem escreve, mas como fenômeno social? Aceite, por favor, esta minha forma extensa de dizer: Feliz Natal!

Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O país das gambiarras, Nosso alegre gurufim e A rebelião das mal-amadas.

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