O outro lado da crise (por Edson de Oliveira Nunes)

O Congresso brasileiro não gosta de votar temas que não tragam recompensas individuais e imediatas aos eleitores. [...]


O Congresso brasileiro não gosta de votar temas que não tragam recompensas individuais e imediatas aos eleitores. Deputados e Senadores gostam de dizer aos eleitores que eles criaram aquela aposentadoria, aquele direito, aquele benefício reconhecido pelos eleitores.

Agora são chamados a votar um ajuste econômico, sem que tenham obtido qualquer recompensa, sequer ouvidos. Não tem perigo de dar certo.

Nossos Congressistas não são mais que vereadores com benefícios especiais. São chamados a votar um programa de ajuste econômico, que os bestas do governo chamam de ajuste fiscal.

Ajustes, assim como planos de recuperação, não são boas coisas para deputados e senadores. Produzem bens públicos, isto é, bens dos quais todos podem usufruir.

Congressistas brasileiros não têm apetite para bens públicos. Bens públicos pertencem a todos, trazem benefícios para todos. Nossos congressistas, veja só, não gostam de benefícios para todos. Gostam de benefícios divisíveis, que servem a este ou àquele grupo, com o qual possam se identificar e, para o qual, possam fazer o discurso de campanha: lembra daquele benefício? Quem trouxe fui eu.

O bem-estar público é indivisível, serve a todos. E, por isto não serve a um congressista, que precisa de votos, portanto de benefícios divisíveis. Lembremos que os Congressistas custaram a aprovar o Plano Real, feito por medida provisória, que acabou trazendo benefícios indivisíveis para toda a sociedade.

A mesma razão, com sinal inverso, que levou o Congresso a não querer aprovar o Plano Real, leva Congresso a não querer aprovar o ajuste econômico. A crise conjuntural adiciona pimenta à massa.

Mas o ajuste é mais complicado que o Plano Real. Se aquele continha benefícios para todos, o ajuste requer, necessariamente, um acordo de interesses. Alguém, ainda inderminado na percepção coletiva, vai perder. A conta de quem vai perder mais ou ganhar mais ainda não está completa. Mas, estejam seguros, ajustes não são processos neutros.

Supondo que todos percam, ainda assim, uns perderão mais que os outros. Ajustes não são neutros. Não se faz um ajuste por acordo social. Na dúvida, estude a situação da Grécia , Faz-se por acordo e comando político. Ninguém inventou o ajuste neutro. Mas alguns avanços sociais, por exemplo, baratos como a Bolsa Família e seus produtos associados podem ser perfeitamente protegidos, até mesmo porque são baratos.

Caros, aí mora um grande perigo, são as outras bolsas que o governo incompetente inventou às custas do contribuinte, como aquelas das “pedaladas” nas contas, como os preços represados e como o recreio dos bandeirantes inventado no BNDES.

Não é com o bolsa família a encrenca atual.

Sem uma grande defesa presidencial, tudo fica difícil. Nosso ajuste conta com a oposição da própria presidente que, mal sabe, pagará o preço mais alto por não defendê-lo, assim como não admitirá ter por produzido, incompetentemente, as razões pelas quais o ajuste é requerido.

Permitam dar o nome às coisas. O clientelismo tomou conta do processo. Cargos, dinheiros, poderes, foram trocados para que o PODER funcionasse. O OUTRO LADO DA CRISE é este, a natureza clientelista, por todos aceita, da maneira de fazer política. O clientelismo não é uma doença, é uma prática, embora informal, perfeitamente racional de controlar recursos e poder, embutida em nossas vidas. Na vida clientelista, todo mundo sabe quem manda, todo mundo sabe para onde fluem os recursos. Sem segredo e, com a ajuda dos deuses, sem prova.

Agora existem os investigadores independentes, aparentemente ilesos, distantes, da cultura política brasileira tradicional. Acontece, contudo, que o judiciário brasileiro tem se demonstrado totalmente aproximado às demais instituições brasileiras, clientelista, cheio de patronagens e parentescos.

A minha nota triste é simplesmente esta: nenhuma instituição brasileira está liberta do clientelismo, parentescos e coisas assim. O judiciário não é diferente do executivo ou do legislativo.

O outro lado da crise é simplesmente este, somos mais iguais ao clientelismo tradicional ou estamos construindo algo novo? Estou entre os descrentes.

Edson de Oliveira Nunes é Ph.D. em Ciências Políticas pela Universidade de Berkeley. Foi Presidente do IBGE, Presidente do Conselho Nacional de Educação. É Professor Emérito da Universidade Candido Mendes. Autor

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