
E da costela, que tinha tirado de Adão, formou o Senhor Deus uma mulher. Não supunha, imagino, a bruta confusão que daí viria. Desse primeiro transplante resultou, para Adão, a perda do paraíso e, para nós, a condenação ao inferno.
Sem Eva, Adão era um play-boy celestial, com tudo à mão e à hora, muita fartura, muita mordomia. Mas faltava um não sei quê de emoção, faltava “molho”, faltava “champignon”. O Paraíso era todo seu, com uma variedade infinita de árvores frondosas e frutos saborosos. Podia experimentar de tudo, menos o fruto de uma certa árvore. Comportadinho, ficava ali zanzando, dando nome aos bichos que passavam, andava nu, não se envergonhava.
Foi a conta de Eva aparecer, para os dois lançarem compridos olhos na árvore proibida e zás! Meu Deus, como se encaixam bem aqui uns versos de Menotti Del Picchia:
Depois…
E depois, amada?
Depois dores sem remédio,
depois pranto, depois tédio,
depois… nada!
Depois, leitora curiosa, tiveram imediata consciência de que estavam nus e, desde então, legaram aos homens aquela que seria a sua angústia: a percepção do bem e do mal.
Sobretudo nos legaram, a nós, ditos machistas, a eterna submissão aos caprichos, à vontade, à beleza da mulher. E mesmo passando a ter noção do bem e do mal, do certo e do errado, o homem, pela mulher, nunca mais hesitaria em pecar.
Através da arte, o homem presta à mulher seu culto, eternizando-a na Vênus de Milo, na Gioconda, Desdêmona, em Ema Bovary, Ana Karenina, na Capitu de olhos de ressaca. E o homem canta a mulher em “Nancy”, “Roberta”, “Isabelle”, “Marina”; a leitora já ouviu a beleza que é “Lígia”, de Tom Jobim?
E para exaltar a mulher, doce e brevemente, de modo a não cansá-la, inventou a poesia, transformando em versos essa prosa toda que existe sobre o amor. Ouça estes, de Carlos Drumond de Andrade:
Há que aprender com as mulheres
as finezas finíssimas do namoro.
O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre
três vezes ignorante de seu coração
e da maneira de usá-lo
Mas a mulher há que ser conquistada, devagar e sempre. E para cantá-la “comme il faut”, adotou-se um idioma exclusivo – o espanhol – e um gênero musical especialíssimo: o bolero.
É a apoteose da mulher, vista como um ser “que puede com Dios hablar”, em cujo convívio se aprende que “lá semana tiene mas de siete dias” e a quem o homem pede que conceda “el privilégio de amar-te”.
Ao castigar Eva, por ter caída em tentação e oferecido a Adão o fruto proibido, Deus sentenciou, “Estarás sob o poder do marido e ele te dominará”. Fora a maldade de expulsar Adão e Eva do Paraíso, não se tem notícia de maior equívoco do criador: a mulher, isto sim, é que dominaria o homem e passaria a tê-lo sob o seu poder, transformando-se para todo o sempre, no seu prazer e sua dor.
Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.



