Triste Margarida (por José Emilio)

No Brasil, quiçá no mundo, tem milhares de pessoas maravilhosas que brotaram do seio mais popular da sociedade e uma grande parte delas, [...]

No Brasil, quiçá no mundo, tem milhares de pessoas maravilhosas que brotaram do seio mais popular da sociedade e uma grande parte delas, auto didatas, fazem coisas sensacionais, além de criativas e belas. Em quase todos os ramos eles se destacam: seja nas artes, no artesanato, trabalhos leves e pesados, enfim, onde há necessidade de beleza, força, criatividade… Poderíamos estar aqui escrevendo linhas e mais linhas, preenchendo vários papéis Almaços sobre o talento e a força criativa de vários, muitos deles, enfim…

O nosso personagem, aqui, fora batizado com a graça de João Rubinato e se tornou, espetacularmente, conhecido como Adoniran Barbosa: cantor, compositor, letrista, ator, locutor de rádio, humorista…, enfim ganhou a alcunha de gênio do Bixiga, pois foi um cronista contumaz daquele bairro da Pauliceia desvairada.

Uma ocasião, ele tinha um programa de sucesso numa estação de rádio e pediu um aumento ao diretor, que veio a lhe responder, educadamente:

Vou estudar o seu caso com muito carinho”.

Durante vários meses, quando eles se encontravam, a lembrança da promessa era sempre cobrada, e, até então, nada! Cansado desse lero-lero, um belo dia, Adoniran encontrou com o então, ” mui amigo”, no corredor da emissora e lhe deu um ultimato, diante da conversa antiga de que ele estaria “estudando” o seu caso. Com muita razão, ele falou com muita propriedade e sabedoria:

− “Olha Dotô, o dia que o senhor estiver formando, me avise que vou levar o Bixiga inteiro prá prestigiar a sua formatura!”

O diretor, diante do tamanho e da qualidade do ultimato criativo, no outro dia, providenciou um aumento nos vencimentos dele e da sua turma, pois a genialidade do argumento foi demais.

É só apreciar o repertório do Adoniran, com bastante atenção, para ficarmos diante das mais belas crônicas saborosas, verdadeiros hinos realistas da cidade de São Paulo que ele compôs, letrou ou interpretou como: “Trem das Onze”, “Iracema”, “Saudosa Maloca”…, e outras menos conhecidas e geniais como, “Triste Margarida”, ou ” Samba do Metrô”, onde ele compôs uma verdadeira pérola, depois de uma frustração amorosa. Acontece que ele começou a namorar uma menina, cujo nome era Margarida, na época do início da construção do Metrô de São Paulo, quando ele disse prá ela que ele era o engenheiro responsável pela construção dessa grande obra e que, futuramente, quando estivesse pronta, seria o diretor de transporte da companhia do Metrô, uma obra que traria mais conforto para os habitantes da cidade, e ela seria a primeira passageira de uma das composições a trafegar na cidade. A pretendente ficou entusiasmada e toda orgulhosa diante do atual e do futuro que se desenhava para ela e o namorado, anunciado com grande alegria, para a humilde família a boa nova. O adorável, entusiasmado e apaixonado Adoniran, sonhava com um final feliz nessa empreitada, mas durou pouco. Um belo dia ela passou de ônibus no trajeto, que sempre fazia, quando aconteceu uma coisa semi súbita. Seu grande e pretendente amor, que se dizia ser engenheiro e diretor da construção do Metrô de São Paulo, estava com o uniforme da prefeitura, junto com outros operários, cortando grama, justamente por onde ela estava passando, foi muito azar para o futuro casal e vale à pena mostrar um trecho da composição que ele fez para essa pequena – grande tragédia pessoal, a linda música, “Triste Margarida” ou “Samba do Metrô”!

“Você tá vendo aquela mulher que tá indo ali

Ela não quer saber de mim

Sabe por que?

Eu menti prá conquistar seu bem querer

Sabe por quê?

Eu disse a ela que trabalhava de engenheiro

Que o Metrô de São Paulo estava em minhas mãos

E disse que se desse tudo certo

Seria a primeira passageira na inauguração

Tudo ia muito bem

Até que um dia

Ela passou de ônibus pela via 23 de Maio

E da janela do coletivo me viu

Plantando grama no barranco da avenida

Hoje fiquei sabendo que ela é

Orgulhosa, convencida

Não passa de uma triste Margarida

Orgulhosa, convencida

Não passa de uma triste Margarida!”

Adoniran, foi uma das grandes tradições da música popular paulista e brasileira, inclusive a canção “Saudosa Maloca” e o movimento de terras urbanas no Brasil, tem uma relação profunda e complexa, refletindo a luta pela moradia e os desafios sociais da urbanização acelerada. Um primor de letra e música e com variadas e lindas interpretações: João Gilberto, Elis, Beth Carvalho… onde um lado mais genial ainda, desse nosso gênio popular foi mostrado, desde o ano de 1951, salve o nosso grande Adoniran e a nossa cultura popular, salve!

José Emílio é Engenheiro Sanitarista e Jornalista


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