
Não me lembro muito bem a primeira vez que fui ao maravilhoso bairro da Santa Tereza, ou de Santa Tereza, como queiram, confesso.
Quando vim para Belo Horizonte, fui estudar no Colégio Estadual, no Santo Antônio, e morava no centro. Muitos dos meus colegas eram do bairro e eu sempre marcava presença através do ônibus que fazia a linha Santo Antônio- Floresta. Descia na Av. do Contorno e fazia o resto do percurso na “paleta” mesmo. Provavelmente, foi nessa época que tomei contato com o bairro, mais amiúde pois vinha estudar na casa de algum colega do colégio, um hábito muito comum e saudável naquela época. Isso, ainda bem antes do movimento do Clube da Esquina.
Futuramente acabei mudando para o bairro, depois de muitas contemplações e amizades. Primeiro na Hermilo Alves, depois na Divinópolis onde estou até hoje. Quando estava adquirindo o meu apartamento, o corretor me ofereceu em vários endereços e me disse que um deles se localizava na rua Divinópolis. Eu nem quis saber se o imóvel era bom pois lembrei da parte do meio da capa do álbum Clube da Esquina, onde junto com aquela profusão de retratos dos artistas, aparecia a foto de uma plaquinha com o nome de uma rua e, por acaso, era a Divinópolis. Isso foi decisivo para a minha escolha pois era a oportunidade de morar numa rua conhecida no mundo inteiro e por razões mais que poéticas!
Por falar no disco, a primeira vez que eu o ouvi foi em Ouro Preto, numa daquelas repúblicas onde os porões tornam-se saborosas boates. A vitrola funcionou a noite inteira e madrugada adentro para deleite da moçada. Ninguém arredava o pé e a paixão foi nessa primeira audição.
Confesso que esse movimento “da esquina” foi e é, até hoje, uma das coisas mais importantes que aconteceram no nosso país, tanto na estética musical, que é muito bela, quanto na poesia, às vezes cinematográfica, além de um instrumental de muita responsa. Enfim Santa Tereza foi e é o grande berço de toda essa beleza.
Mas o bairro não é só isso tudo e tem muitas outras coisas muito singulares. No que tange à música, aqui nasceu o grupo Sepultura, famoso no mundo inteiro, bem como o Skank que sempre estava no bairro. O famoso Bar do Bolão foi uma grande testemunha de todos esses acontecimentos.
No futebol, os clubes amadores do bairro sempre se destacaram nos vários torneios da cidade, inclusive a AEST, também conhecidos como Santa Tereza Futebol Clube, revelou para o mundo vários craques, onde Palhinha, Ronaldo Luis, Euler, depois de passarem pelo meu querido América Mineiro, foram bi campeões mundiais pelo São Paulo Futebol Clube.
Por falar em campeões mundiais, o time de futebol de salão do Oásis, clube social do bairro, teve três atletas oriundos dele: Walmir, Jackson e Nando, convocados como titulares para a seleção brasileira da categoria e se tornaram bi campeões mundiais, uma maravilha!
Também dizem que no futebol de mesa, o famoso futebol de botão, o clube sempre fez bonito nacionalmente, dizem! Santa Tereza é um lugar muito saboroso e cheio de belas histórias, o grande problema é selecioná-las. Um antigo músico do Sobradão da Seresta, que existe até hoje, nos afirmou que Juscelino Kubitschek era um frequentador contumaz do local, confirmando a sua fama de pé de valsa. Jk, depois de dançar bastante, já de madrugada, costumava ir para a janela contemplar a paisagem da praça e do horizonte que conseguia visualizar e saía-se sempre com essa:
− “Sinto- me maravilhado, é como se eu estivesse em Paris!”
Também fomos testemunhas de um acontecimento inusitado e, talvez, único. Acontece que na rua Salinas trafegava uma carroça, no bairro tem várias, e na calçada passava uma moça que sucumbiu ao charme jogado pelo condutor, e, sem pestanejar, tomou assento ao lado dele, iniciando um passeio pelo bairro que rende frutos até hoje.
Também, uma ocasião, indagamos a uma figura muito popular no bairro, Geraldo Magrelo, quem era a pessoa que ele conheceu ou ouviu falar e que fez a maior aprontação no bairro ou seja: quem é o cara mais doido de Santa Tereza e o que ele havia feito? Magrelo me disse, sem pestanejar, o nome do personagem e que uma das suas maiores aprontações, dentre outras, foi que ele veio de ré da Floresta até aqui na praça. Como se vê, loucura pouca é bobagem!
Também, por ocasião do centenário do Bar do Orlando, um estabelecimento muito tradicional no bairro, a procura era incessante para obter informações e curiosidades sobre a história do bar. Eram jornalistas, estudantes, cinegrafistas, historiadores, curiosos… e de cara, falavam pro Orlando, que encontrava-se do outro lado do balcão:
− “Uai, seu Orlando, o senhor tá muito conservado para estar comemorando cem anos!”
Diante dos deslizes dos profissionais e do constrangimento, tivemos que interferir várias vezes em favor do dono do bar, afinal quem estava comemorando cem anos era o bar e não o dono dele!
Santa Tereza também sempre teve admiradores ilustres e históricos. Um deles, que amava o bairro e seus moradores, era o saudoso Dr. Célio de Castro. Sempre o encontrávamos andando pelas ruas, proseando ou em algum bar. A última vez que estivemos juntos, ele fez um apelo para ser refletido por todos os moradores e apreciadores de Santa Tereza:
− “Esse bairro é uma maravilha, é uma ilha muito valiosa dentro dessa cidade e tem apenas doze mil habitantes. É bom ficarmos muito atentos pois alguns políticos e especuladores, sem escrúpulos, sempre sonharam em colocar aqui mais de cem mil habitantes, construindo pavorosos arranha-céus, descaracterizando totalmente o bairro, como fizeram com o Belvedere!”
Palavras para a salvação!
Um poeta andado pelo bairro, nas suas incursões lítero culturais, escreveu o seguinte poema:
“A praça cheia de cores
Denuncia sabor e poesia
Os bares têm vida
E trazem esperanças
O tempo aqui
Parece não querer mudar
A madrugada vem lenta,
sonolenta pura e rubra
A rua Mármore é testemunha
Que lá no horizonte
Bem perto da Serra do Curral
O sol briga com a lua
Por uma doce questão
Quem vai continuar
Aqui a nos iluminar?”
Como se vê, o Santa Tereza é mesmo um lugar mágico e para sempre!
José Emílio é Engenheiro Sanitarista e Jornalista
José Emílio é Engenheiro Sanitarista e Jornalista

