Contas! (por Luis Giffoni)

Um amigo me contou que o pardal foi o grande flagelo do século vinte, pois [...]

Um amigo me contou que o pardal foi o grande flagelo do século vinte, pois comeu boa parte das colheitas mundiais.

A palavra flagelo me chamou a atenção, há muito não a ouvia. Pensei em Átila, o flagelo de Deus. Perguntei-me: qual o grande flagelo do mundo hoje em dia?

Depois de examinar vários candidatos, numa disputa acirrada elegi as contas. Sim, as contas. Contas são mais cruéis que Átila. Chegam em hordas sem fim, tomam-nos de assalto todos os dias, atacam de frente, pelos flancos, à traição, pilham nossas economias, arrancam até o sangue. Sitiam-nos por todos os lados: IPTU, IPVA, INSS, SFH, IR, carnês, clubes, celular, água, luz, escola e escolinhas das crianças, televisão a cabo, presentes, aluguel, consórcio, pensão judicial, internet. A relação não tem fim, isto é, tem sim, se você estiver no fim, já pedindo as contas com a vida. Só morto não recebe conta, quer dizer, recebe, mas não pode pagar. Portanto, pagar contas é a grande prova de vida atual.

Pago conta, ergo sum! Dê graças por isso, pois de graça ninguém dá mais – sem chulice. O desprendimento quase desapareceu em nosso tempo.

Ao mesmo tempo, tudo ficou mais fácil. Para cumprimentar aniversariantes sem gastar as cordas vocais, paga-se uma mensagem ao vivo. Mensagens ao morto também existem. Por módico precinho, videntes entram em contato com entes queridos que já partiram. Deixo um alerta: isso é um perigo!

Adeus, descanso eterno. Daqui a pouco, teremos conta chegando do lado de lá. O diabo é grande cobrador. Num mundo dominado pela conta, é claro que os espertinhos já descobriram como cobrar por conta, ou seja, receber sem oferecer contrapartida. Se você pensou no governo, está com ideia fixa. O governo, lá nos fundos, oferece alguma coisa. Aos fundos de pensão, por exemplo, onde nossos impostos afundam. Ou aos fundos perdidos, que os mesmos de sempre sabem achar, como nas emendas parlamentares. Sem falar nas cobranças por conta, nos descontos sem autorização nas aposentadorias, nos cartões clonados, na ladroagem diária via internet.

Fique atento. Todos se esforçam para que você tenha conta, mas, quando você atende ao apelo e não tem como pagar, ficam por conta. E de nada adianta fazer de conta que não tem conta com isso. Portanto, ao ouvir a sedução da propaganda, não lhe dê conta. Tampouco acredite que o mundo é dos devedores. Se fosse verdade, Pindorama mandaria no planeta.

De conta em conta, acabamos não levando a vida em conta. Imersos em malabarismos para saldar dívidas, não enxergamos que o custo é muito maior que o benefício. Com facilidade caímos no conto do consumidor, a lenga-lenga de que precisamos consumir sem saber por quê, ter sem carecer, como se comprar fosse a chave da felicidade. Terrível ilusão.

Está na hora de olhar para os pardais do seu quintal. Eles não têm contas e vivem cantando. De fato, são um terrível flagelo.

Luis Giffoni é Escritor, Membro da Academia Mineira de Letras. Prêmio Jabuti

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