Provas que incluem: a revolução da Prova Adaptada – e o que o Brasil tem ensinado ao mundo (por Danielle Balieiro Amorim)

Avaliar não pode ser apenas medir: precisa ser também acolher. Para milhões de alunos neurodivergentes, a escola ainda é um lugar de barreiras [...]

Avaliar não pode ser apenas medir: precisa ser também acolher. Para milhões de alunos neurodivergentes, a escola ainda é um lugar de barreiras — e uma das maiores está nas provas. Pensadas para um padrão que nem sempre considera outras formas de pensar, aprender e se expressar, as avaliações escolares muitas vezes acabam excluindo justamente quem mais precisa de apoio.

Foi diante dessa realidade que nasceu a plataforma brasileira Prova Adaptada, criada por educadores que decidiram transformar uma revolta silenciosa em solução concreta. Combinando neurociência, pedagogia e tecnologia, a ferramenta permite que professores adaptem avaliações de forma rápida, eficaz e personalizada.

“Vimos de perto o desespero de professores e a frustração de pais. A educação inclusiva era um ideal lindo, mas a realidade era de ferramentas improvisadas e processos exaustivos”, conta o CTO Fabio Tavares, um dos fundadores da plataforma. A seguir, ele compartilha os bastidores dessa ideia, os impactos observados nas escolas e as próximas etapas dessa jornada.

ENTREVISTA: Fabio Tavares, CTO da Prova Adaptada

Como surgiu a ideia de criar a plataforma Prova Adaptada? 

A Prova Adaptada nasceu de uma revolta silenciosa e de uma visão clara. Vimos de perto o desespero de professores que passavam noites adaptando provas manualmente, a frustração de pais cujos filhos não conseguiam demonstrar seu conhecimento, e a exclusão velada de alunos neurodivergentes. Percebemos que a educação inclusiva era um ideal lindo, mas a realidade era de ferramentas improvisadas e processos exaustivos. Foi nessa lacuna gritante que decidimos agir, unindo tecnologia de ponta, neurociência e pedagogia para criar uma solução que não apenas resolvesse um problema, mas transformasse a realidade da inclusão.

Qual era a maior dor que vocês queriam resolver? 

A maior dor que nos impulsionou era a invisibilidade do sofrimento de professores e alunos. De um lado, docentes exaustos, consumidos por horas extras na tentativa heroica de adaptar materiais, muitas vezes sem o conhecimento pedagógico específico para cada neurodivergência. Do outro, alunos que, por uma prova mal adaptada, tinham seu potencial ofuscado, sua autoestima abalada e, em muitos casos, acabavam excluídos do processo de aprendizagem. Queríamos não apenas aliviar essa sobrecarga, mas revolucionar a forma como a inclusão é feita, garantindo que cada avaliação fosse um espelho do conhecimento do aluno, com qualidade, rapidez e, acima de tudo, equidade.

Quais perfis de alunos vocês tinham em mente no início? 

Nossa visão inicial abraçou a neurodiversidade. Não pensamos apenas em diagnósticos como TDAH, dislexia, TEA ou deficiências cognitivas, mas sim em cada mente única que processa informações de forma diferente. Nosso foco era em todos os alunos que, por suas particularidades, necessitam de um olhar atento e de adaptações significativas – seja no formato, na linguagem, na estrutura ou na apresentação visual das provas – para que possam, de fato, revelar todo o seu potencial e não serem subestimados por barreiras metodológicas.

Como os professores usam a ferramenta no dia a dia? 

Imagine a transformação na rotina do professor: o que antes era uma batalha de horas, agora se resolve em minutos, com uso da tecnologia. O professor simplesmente acessa a Prova Adaptada, seleciona o conteúdo da prova original, indica a necessidade específica do aluno – e pronto! Em pouquíssimos cliques, a plataforma entrega uma versão adaptada, rica em sugestões pedagógicas e embasada em neurociência. É como ter um assistente pedagógico inteligente ao lado, que não só otimiza o tempo, mas eleva a qualidade da adaptação, permitindo que o educador foque no que realmente importa: ensinar e inspirar, com a certeza de que cada aluno terá sua voz ouvida na avaliação.

Que tipo de adaptações são mais comuns nas provas? 

Nossas adaptações vão muito além de um simples ajuste de fonte. Elas são cientificamente embasadas, focando em como o cérebro neurodivergente processa a informação. As mais comuns incluem refazer a prova seguindo protocolos da neurociência, simplificando comandos, facilitando a compreensão, organizando os itens, reduzindo distrações e contextualizando o conteúdo para a realidade do aluno. Cada adaptação é um passo para remover barreiras cognitivas e permitir que o aluno tenha sucesso.

A plataforma oferece apoio pedagógico além da adaptação técnica? 

Absolutamente! A Prova Adaptada não é apenas uma ferramenta; é um ecossistema de apoio. Acreditamos que a tecnologia, por mais brilhante que seja, só atinge seu potencial máximo quando abraçada pela expertise humana. Por isso, nossa equipe de psicopedagogos e especialistas em educação inclusiva oferece um suporte contínuo e personalizado. Orientamos o uso da plataforma, auxiliamos no planejamento estratégico das adaptações e promovemos formações que empoderam professores e gestores. É uma parceria que vai além do software, construindo pontes entre a inovação e a prática diária, com uma escuta ativa às necessidades de cada escola.

Você se lembra de algum caso marcante em que a plataforma transformou a experiência de um aluno? 

Ah, sim, há um caso que nos emociona profundamente e que se tornou um marco em nossa jornada. Tivemos um aluno com autismo que, por anos, enfrentava uma barreira intransponível nas avaliações. Ele nunca havia conseguido concluir uma prova de forma autônoma, sempre dependendo de apoio constante. Quando sua escola adotou a Prova Adaptada, ele recebeu uma avaliação que foi desenhada para ele: respeitando seu tempo de processamento, seu nível de leitura e seu estilo cognitivo. O resultado? Pela primeira vez na vida, ele completou a prova sozinho. A mãe, com lágrimas nos olhos, contou que ele saiu da escola radiante, com um sorriso que nunca antes havia exibido após uma avaliação. Esse é o tipo de impacto que nos move e nos confirma que estamos não apenas no caminho certo, mas transformando vidas.

Que tipo de retorno vocês recebem de professores, pais e alunos? 

Os retornos que recebemos são a certeza do nosso propósito. Dos professores, ouvimos palavras como ‘liberdade’, ‘alívio’ e ‘revolução’: eles recuperam tempo, ganham agilidade e veem a qualidade pedagógica de suas adaptações disparar. Os pais nos procuram com gratidão e uma nova segurança, pois finalmente sentem que a individualidade de seus filhos é não apenas reconhecida, mas valorizada e atendida. E o mais emocionante: os alunos. Eles florescem! Com a Prova Adaptada, vemos um aumento palpável na autoestima, um engajamento renovado e a pura alegria de finalmente poderem compreender, participar e demonstrar seu conhecimento com autonomia. É a prova viva de que a inclusão, quando bem-feita, desperta um brilho em cada olhar.

Quais são os maiores desafios para a educação inclusiva hoje no Brasil? 

Os desafios para a educação inclusiva no Brasil são complexos e multifacetados, mas podem ser resumidos em uma lacuna entre a intenção e a prática. Ainda enfrentamos uma formação de profissionais insuficiente para a riqueza da diversidade em sala de aula, uma resistência cultural que teima em não ver a inclusão como um direito, e uma subvalorização de políticas públicas e de investimentos em tecnologias que realmente transformem. O ponto mais crítico, porém, é a ausência de ferramentas práticas e acessíveis que descompliquem a rotina pedagógica. É nesse local que a Prova Adaptada se posiciona, não apenas como uma solução tecnológica, mas como uma ferramenta para superar essas barreiras e fazer da inclusão uma realidade tangível.

E quais os próximos passos ou inovações que vocês planejam? 

Nossos próximos passos são tão ambiciosos quanto nossa missão. Estamos em um ciclo contínuo de inovação, desenvolvendo novos módulos que expandirão as funcionalidades da plataforma, permitindo adaptações ainda mais precisas, dinâmicas e personalizadas. Mas nossa visão vai muito além do software. Queremos que a Prova Adaptada seja a pedra angular da educação inclusiva, a referência em tecnologia educacional que não só transforma o Brasil, mas inspira e se expande para o mundo. Sonhamos com um futuro onde cada aluno, independentemente de suas particularidades, tenha a chance de ter sucesso, e a Prova Adaptada será o motor dessa revolução.

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O que outros países têm feito? 

Nos Estados Unidos, as adaptações escolares também são garantidas por lei. A Individuals with Disabilities Education Act (IDEA) e a Section 504 of the Rehabilitation Act asseguram que estudantes com necessidades especiais tenham acesso a planos educacionais personalizados. Esses planos — os famosos IEPs (Individualized Education Programs) ou 504 Plans — preveem mudanças no modo como avaliações são aplicadas: com mais tempo, apoio visual, aplicação em ambiente diferenciado, entre outras.

Embora o aparato legal seja mais robusto que no Brasil, os desafios se mantêm: desigualdade no acesso às ferramentas, dificuldade de formação de professores e falta de sensibilização prática.

Em países como Canadá, Reino Unido e Finlândia, o cenário também mostra avanços significativos. No Canadá, o chamado universal design for learning orienta políticas públicas e práticas escolares para que a acessibilidade seja pensada desde a criação das avaliações, e não apenas como uma adaptação posterior. No Reino Unido, o sistema de access arrangements garante que alunos com dislexia, autismo ou TDAH possam contar com tempo extra, apoio tecnológico e provas simplificadas, formalmente aprovadas pelas agências de exame. Já na Finlândia, referência mundial em equidade educacional, a personalização é parte do currículo: avaliações adaptadas e feedback contínuo substituem grande parte das provas padronizadas, priorizando o processo de aprendizagem.

Essas experiências internacionais mostram que a inclusão não é um caminho único — mas um compromisso coletivo, que exige escuta, empatia e inovação. Por isso, plataformas como a Prova Adaptada mostram que o Brasil não só está inovando, como pode inspirar soluções globais.

Como jornalista, educadora e mãe, sigo acreditando que a inclusão verdadeira começa quando deixamos de medir todos pela mesma régua — e passamos a escutar o que cada um tem a dizer, do seu jeito. A Prova Adaptada é uma dessas escutas. E que bom ver o Brasil oferecendo ao mundo uma resposta tão potente, sensível e possível.


Danielle Balieiro Amorim é Jornalista, Escritora e Ghost-Writer. Na Accenture, desenvolveu expertise em Comunicação, Gestão de Pessoas, PMO, Treinamento e Desenvolvimento, entre outras áreas. Escreve duas colunas semanais para o jornal Diário de Taubaté e para revistas brasileiras nos Estados Unidos. Tradutora dos idiomas Inglês, Português e Espanhol. Autora do livro infantil “As Aventuras de Ximin em: Floresta Mágica”. Podcast para crianças no Youtube: “Contos para Sorrir”.