
Nos pleitos majoritários é prática comum se fazer cotejo entre as estimativas de intenção de votos dos institutos de pesquisas, realizadas em dias próximos à eleição, e os dados das urnas, na perspectiva consagrada popularmente de que tais estimativas são prognósticos ou projeções dos resultados oficiais e não – o que seria correto – diagnósticos de um dado momento do ciclo eleitoral.
Embebidos pelo protagonismo das pesquisas, sempre nessa perspectiva popular já incorporada à paisagem, muitos eleitores imaginam que somente através das intenções de votos expressas nessas pesquisas é que é possível antecipar resultados que advirão das urnas.
Não é bem assim. Fora do âmbito das pesquisas eleitorais há vários modelos de previsão de votos para candidatos, ou incumbentes e postulantes indicados por eles, ainda que esses modelos sejam menos conhecidos e um tanto raros na evidência empírica.
Nesta senda, um estudo seminal que marcou a literatura da ciência política foi o de previsão de resultado de eleições presidenciais de Alan Abramowitz, em 1988, e sua famosa aplicação nos Estados Unidos em 2008, chamada de “Time-for-change-model” (“modelo do tempo para a mudança”, ou “modelo da hora da mudança”, em traduções livres), que projetou a eleição de Barack Obama sobre John McCain, com resultados no voto popular praticamente iguais aos das urnas.
A suposição básica de Abramowitz era a de que a eleição presidencial é um referendo da performance do governante em exercício. Em assim sendo, o voto dos eleitores é fortemente influenciado pelo desempenho do incumbente à frente do governo, mesmo que ele próprio não esteja na disputa eleitoral. Para mensurar tal desempenho, o modelo usa três variáveis: a taxa de aprovação de governo, a situação econômica e o tempo do partido no poder.
O autor enfatiza que embora o desenrolar da campanha e outros fatores importantes possam influenciar a decisão de voto do eleitor, ao fim e ao cabo a satisfação ou insatisfação pública com o governo, manifestada nos índices de aprovação e desaprovação, o estado da economia na percepção popular, e a “fadiga de material”, têm peso determinante como preditor de voto.
Observe-se que o modelo prescinde das pesquisas eleitorais, particularmente de intenção de votos em candidatos.
Nessa esteira, um interessante modelo de previsão eleitoral, baseado em polarização ideológica, foi concebido e aplicado recentemente por professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no segundo turno das eleições municipais de 2024 (Figueiredo Filho et alli, 2024: “O que é polarização ideológica? E como podemos prever eleições a partir dela”).
O aspecto distintivo do modelo é que ele também dispensa as pesquisas de intenção de votos. A novel iniciativa estima a transferência de votos dos candidatos, de acordo com a polarização ideológica dos partidos – separada pelo binário esquerda e direita – na perspectiva de que, na passagem do primeiro para o segundo turno, tais transferências acontecem entre candidatos mais próximos ideologicamente.
No sistema multipartidário brasileiro, no primeiro turno das eleições majoritárias, concorrem vários candidatos com posições ideológicas distintas, vistas sob o ângulo dos partidos a que pertencem. Apenas dois candidatos desse conjunto passam para a etapa derradeira do pleito.
É razoável admitir que os eleitores dos candidatos que não lograram ascensão à última etapa, vão, em grande parte, expressar suas preferências de voto, consignando-o ao postulante do segundo turno com o qual tenha mais afinidade partidária e ideológica. Em outros termos, a polarização ideológica inspira a migração de votos dos candidatos não eleitos no primeiro turno para os dois concorrentes no segundo turno do pleito.
Com suporte na mensuração dessas transferências, o estudo prevê os prováveis vencedores da eleição no segundo turno, usando modelos matemáticos que medem a distância ideológica entre candidatos. Quanto maior a distância ideológica entre os partidos aos quais esses candidatos pertencem, menor a chance de transferência de voto e vice-versa.
O cálculo da transferência de votos é operado a partir da posição ideológica dos candidatos (associados aos respectivos partidos) e da mensuração da distância entre eles, o que é feito utilizando uma “régua ideológica”, com escala de 0 (esquerda) a 10 (direita). Por exemplo, um candidato do PDT está no marco 3,92 da escala ideológica, ao passo que um do PL situa-se no ponto 8,11 da escala. Então a distância entre eles seria de 4,19 pontos de ideologia, e assim por diante para os demais candidatos.
O objetivo do estudo da UFPE é prever os prováveis vencedores da eleição. Faz-se mister, portanto, confrontar seus achados com os resultados oficiais para se ter uma noção da acuracidade de suas previsões. Aplicando-se o mecanismo às 15 capitais brasileiras onde houve segundo turno em 2024, constata-se a geração de estimativas de votação dos prováveis ganhadores do pleito bem próximas dos resultados das urnas (abaixo de 2,0 pontos percentuais) em 5 capitais. Em uma outra capital, a diferença foi de 3,0 pontos de percentagem, mas nas demais 9 cidades, o hiato entre prognóstico e urnas se deu bem acima de 3,0 pontos, com média de 7,8 pontos.
Vistos esses números globalmente para as 15 capitais, as projeções do método de “votação ideológica” distam dos resultados oficiais em 5,27 pontos de percentagem, valor bem superior aos 2,21 pontos obtidos por métodos convencionais de estimativas de intenção de votos das pesquisas eleitorais, na mesma eleição (Romão, 2025, “Eleições municipais de 2024 nas capitais: pesquisas e urnas no segundo turno”, in Lavareda, Krause e Telles, livro no prelo).
Assim, o método de votação ideológica, nada obstante seus aspectos diferenciados e inovadores, mostrou-se em termos projecionais, aquém dos demais mecanismos que se alicerçam nas estimativas de intenção de votos das pesquisas eleitorais, as quais se mostraram mais próximas dos valores das urnas, pelo menos na eleição municipal de 2024, nas 15 capitais onde ocorreu o segundo turno.
Embora o método repouse fortemente na classificação partidária de posições ideológicas, bem como nos pesos arbitrários da “régua ideológica”, o que pode produzir resultados bem diferentes a depender da seleção efetuada, a abordagem não deixa de ser meritória e promissora, merecendo ser mais testada em outros pleitos.
*Artigo originalmente publicado no Observatório ABRAPEL – Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais
Maurício Romão é Ph.D. em Economia pela Universidade de Illinois, Estados Unidos. Fundador e Coordenador do grupo “Pesquisas em Definitely” com a participação de Pesquisadores de Mercado e Opinião no Brasil.



