
É isso mesmo, se nosso regime econômico é o capitalismo – embora meio vira-lata – ele só funcionará bem com bons capitalistas. O grande problema é que parte dos nossos são timoratos, imediatistas e consumistas. Não se parecem o suficiente com os ascetas destemidos descritos por Max Weber (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo).
Abundam teorias explicando o desenvolvimento econômico. Mas nenhuma delas pode descartar a sólida conexão entre investimento e expansão do produto. Nos mais singelos termos, sem mais máquinas, fábricas, fazendas e comércios não é possível crescer. E lembremo-nos, a tecnologia não cai dos céus, ela costuma entrar embutida nos novos equipamentos.
Ao longo da história, era inevitável a pergunta: quem deve ficar encarregado de investir? No comunismo, é o Estado. Até certo momento, parecia dar certo. Mas foi rebate falso. O sistema desandou seriamente e os regimes coletivistas fizeram água.
Gostemos ou não, sobrou o regime de mercado. Assim opera a Europa, os Estados Unidos e outros tantos países bem-sucedidos. Costuma ser que o Estado fique com algumas beiradas que julga estratégicas. Mas são poucas. Em linha com a nossa história e ascendência cultural, pelo menos formalmente, o Brasil é um país capitalista. Ainda bem.
Porém, para funcionar, o capitalismo requer capitalistas que se comportem como tal. São senhores (hoje há que se dizer, e senhoras) que se dispõem a arriscar seus capitais para investir em alguma coisa, na esperança de que obtenham fartos retornos. Por um tempo, renunciam às suas riquezas. Mas se tudo der certo, multiplicadas elas voltam.
E quando voltam, o que fazer com elas? Na lógica do sistema, se o ciclo de reinvestimento não continuar, a economia estanca. É investir, investir e investir! Não há desenvolvimento persistente se esse caminho não for trilhado. Mas é aí que entram nossas fraquezas e desleixos.
Parte das nossas elites empresariais, muitíssimo antes de virarmos um país rico, não resiste à tentação do consumismo. Os milhões de pequenos empresários, talvez, investiram por desespero, por falta de alternativas. Mas se têm algum sucesso, entram em marcha lenta e se satisfazem com a moto, o celular e o tênis de marca.
Alguns de mais fôlego sonham em vender suas empresas e viver de rendas. Quem sabe, investir em imóveis, para não trabalhar mais? Ou comprar uma casa enorme, uma Maserati, um jato Citation, um helicóptero ou, por que não, um iate. E há os do Romanée-Conti e Château Lafite-Rotschild. Cada um com suas extravagâncias. Para exibir seus luxos ajuntam amigos (que sonham pegar carona nas benesses). Gastar parece-lhes uma ideia melhor, pois investimento dá trabalho, dor de cabeça e pode fracassar.
Mesmo nos países mais ricos, sempre há alguns exibicionistas. Mas contrastam com Warren Buffett, dirigindo o seu carro com mais de dez anos. Steve Jobs, bilionário, morava na mesma casa modesta. Por bom tempo, na Amazon, Bezos usava a mesma mesa que ele próprio improvisou. E se recusava a distribuir dividendos – era tudo reinvestido.
As extravagâncias de alguns bilionários não contradizem essa ideia, pois são ciscos, diante das inversões anuais de suas empresas. Alguém calculou que se Bill Gates vir uma cédula de 100 dólares no chão, no tempo que levaria para recolhê-la, já haveria ganho mais do que essa quantia. Quantos minutos de trabalho precisou para comprar o seu Porsche. Para essa classe de gente, nem os ocasionais exibicionismos comprometem os investimentos e nem são os prêmios que os motivam.
É nisso que discrepamos desses países. Ao longo das gerações, suas elites empresariais permanecem obcecadas com o sucesso dos seus empreendimentos, ansiosas por fazer cada vez mais, de ir sempre mais longe. Para investir, economizam o máximo. Aos 14 anos, Alfred Krupp perdeu o pai e herdou uma pequena fundição, às beiras da falência. Com seus seis operários, tocou o negócio. Teve sucesso. Mas a diferença crítica é que não parou aí. Seguiu, até tornar-se o czar do aço alemão.
O “DNA empreendedor” pode ser uma boa metáfora, mas é um absurdo científico. O espírito empresário se adquire depois de nascer, no convívio com sociedades que o valoriza e exalta. Com efeito, os brasileiros aculturados nos Estados Unidos mostram a mesma disposição para “ir à luta” que o resto da sociedade. Mas na nossa, e em muitas outras, isso não é martelado na cabeça dos jovens. Em linha com a nossa cultura, em vez de promover a dura competição, o Estado cria proteções contra os concorrentes de fora, amortecedores dos riscos e toda sorte de paternalismos. E se tropeçam, o Estado fica com peninha. Nossa sociedade é uma escola que não prepara futuros empreendedores.
Nessa comparação de valores e atitudes, há uma diferença sutil, mas vital. O lucro pode ser visto como um butim a ser saboreado, com requintes de exibicionismo. Mas na tradição do bom capitalismo, é apenas o termômetro, a medida da vitória na aventura de investir. O deleite último não é consumir os ganhos, mas entendê-los como a confirmação tangível do sucesso na empreitada. É uma medalha, conquistada a duras penas, a ser exibida em uma vitrine. Mesmo sendo de ouro, não é para ser derretida e os proventos gastos na esbórnia. Ou seja, o lucro não é entendido como dinheiro para ser gasto, mas como medalha premiando o sucesso.
Um descompasso paralelo na nossa sociedade, apesar de capitalista, é que não vê com bons olhos a demonstração máxima de sucesso: o lucro. Nossos valores ainda rescendem aos preconceitos de Santo Tomás de Aquino, para quem o juro era um pecado tão grave quanto o homicídio. E o lucro, minimamente admissível, tinha que ser muito moderado. Passa o tempo e nossa sociedade ainda não se livrou desses cacoetes medievais.
Assim sendo, em vez de idolatrados como heróis da pátria, nossos grandes empresários são os vilões de uma solerte trama capitalista. Execraram Mauá, nosso primeiro grande empresário. Quando Eike Batista naufragou, houve quem se regozijasse, em vez de lamentar as barbeiragens de um de nossos mais audaciosos e criativos empresários.
Com certeza, há uma certa licença poética nas minhas afirmativas. Com efeito, no último século e meio, fizemos bonito, com altas taxas de crescimento. Ainda assim, não nos livramos de uma proporção exagerada de empresários frouxos, consumistas e presas do curto prazo. Se não investirem quase tudo que lucram, nossos horizontes são estreitos. E não há como obriga-los, por leis ou decretos. Igualmente a se lamentar é o crônico preconceito contra o lucro.
Que receitas haverá para varrer esses maus hábitos?
Claudio de Moura Castro é Ph.D. em Economia pela Universidade de Vanderbilt. Foi Professor Visitante em várias Universidades, como Chicago, Genebra, Borgonha, FGV, Brasília. Foi Presidente da CAPES. Autor, Prêmio Jabuti.
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