
Os brasileiros dividem-se em dois grupos: aquele para o qual a aposentadoria é um prêmio e o segundo, bem mais volumoso, para o qual ela é um castigo.
Ah! se o sujeito soubesse, quando começa a vida, com aquele entusiasmo, o que está marcado para ele no fim da linha. Mas não, ele não sabe, sonha, luta, com a sensação, às vezes, de estar indo além de suas forças, mas esse obstinado que é o trabalhador tudo supera, ao superar-se.
A primeira assinatura na Carteira de Trabalho, sabem lá o que é isto? O primeiro comprovante de depósito, então, é coisa de se emoldurar e pregar na parede. Depois a primeira tarefa realizada, cuidada a cada detalhe, curtida, se for possível guardando evidências desse carinho pelo trabalho, um relatório, uma proposta, um comentário do chefe.
Com um pouco de sorte vem uma promoção, o primeiro aumento por merecimento, uma função mais importante, um cargo mais elevado e os resultados materiais: um carrinho popular, o apartamento com financiamento da Caixa Econômica, de dois quartos, inicialmente num bairro distante, e que um dia foi trocado por outro maior, na almejada Zona Sul. E as férias, claro, o emprego dá essa tranquilidade, essa segurança: As primeiras férias em Araxá, você se lembra? Depois as coisas melhoraram, a gente pôde passar uns dias no Nordeste, caro à beça, está lembrada?
Quanta luta, sempre. O dia-a-dia. Os problemas, as incompreensões, a inveja. Mas sempre o entusiasmo, a vontade de vencer. Bem ou mal, o barco avançando, as coisas melhorando, os filhos formados, a mesa farta, graças a Deus, tudo indo bem, até que…
A percepção é uma coisa fantástica, cruel às vezes. É o mundo ruindo num estalar de dedos, os sentidos dando conta das coisas. O “clique”. O susto. O “ai meu Deus”. A vida termina de repente? Qual o quê. É aos pouquinhos, de golpe em golpe. A percepção é que vem primeiro, arrasa, tira a resistência. Depois é um deixar-se ir.
Alguém aí já viajou de trem pelo interior? Eu costumava ir pela Estrada de Ferro Leopoldina, na Zona da Mata afora, e uma questão me intrigava: o fim da linha. Aonde iam dar aqueles trilhos? Para o lado de Ubá eu sabia, o trem seguia de lá para o Rio de Janeiro. Mas voltando para casa, em uma pequena cidade próxima de Caratinga, fascinava-me a questão de que o trem continuava. Apesar de ser uma questão simples para um adulto, tenho a impressão, em minha memória nebulosa, de que as pessoas vacilavam, me olhavam de forma intrigante, quando eu perguntava para onde ia a linha do trem.
A percepção da aposentadoria, imagino que tenha a ver com a do fim da linha. O sujeito viajou, enfrentou bom e mau tempo, viu esperanças nascerem e ruírem ao se aproximar de cidades desconhecidas, que ele idealizava, e num dado momento ele percebe, pelas características da região, pelo que vê nas cidadezinhas que passam, que essa linha vai dar no fim do mundo. Sua aposentadoria tão sonhada, não será nada daquilo que antevia, a pensão do governo é um abacaxi, o apartamentozinho que tinha de reserva teve de ser vendido, tem então é de arranjar outra ocupação, caso contrário nem chega ao fim da linha. Parece impossível, ninguém acredita, mas tenho fé de que um dia surgirá um gênio, uma equipe de governo, ou vai haver um grito popular e as pessoas vão acordar para o fato de que a vida não se comemora só com a criança que nasce, mas com a dignidade com que vivem os velhos
Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.