Os Verdadeiros Vilões: Tarifas Externas vs. a Carga Tributária Interna

O cenário econômico global está em constante tensão, e um dos temas mais quentes e recorrentes é a guerra [...]

O cenário econômico global está em constante tensão, e um dos temas mais quentes e recorrentes é a guerra comercial, especialmente as tarifas impostas pelos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump. O chamado “tarifaço” de Trump gerou ondas de preocupação e reações defensivas em várias nações, incluindo o Brasil. Nossos líderes e diplomatas, com razão, levantam a voz contra o protecionismo americano, defendendo o livre comércio e a competitividade. Eles argumentam que as tarifas de Trump são uma agressão à economia global e um obstáculo ao crescimento.

Essa narrativa tem seu mérito, mas, para o cidadão brasileiro comum, ela muitas vezes soa como um eco distante. Enquanto os noticiários debatem os efeitos de tarifas internacionais, o que realmente aperta o cinto do consumidor no dia a dia é algo muito mais próximo: a brutal e onipresente carga tributária brasileira. O debate sobre o “tarifaço” de Trump é importante no macro, mas, no micro, a realidade do bolso do brasileiro é dominada por impostos que transformam o preço de produtos em algo quase surreal.

Este artigo não é partidário; a questão dos impostos exorbitantes no Brasil transcende governos e ideologias. É um problema estrutural que se arrasta por décadas, independentemente de quem ocupe a cadeira presidencial. Enquanto o mundo discute as ações de Trump, o brasileiro tenta entender por que um produto fabricado aqui, em seu próprio país, custa uma fortuna, e por que a mesma mercadoria, quando importada, é quase inalcançável.

A Estranha Lógica de Preços no Brasil

Para ilustrar essa realidade, vamos olhar de perto alguns exemplos práticos que chocam e frustram qualquer consumidor

Tecnologia: A busca por um produto eletrônico no Brasil é, muitas vezes, uma jornada de dor. Considere o Mac Mini, um computador compacto e poderoso. Nos Estados Unidos, ele custa $999,00. No Brasil, o preço salta para R$12.299,00. Mesmo fazendo a conversão direta da moeda e somando a inflação e custos de logística, essa disparidade é gritante. A maior parte dessa diferença não se deve às tarifas de importação de Trump ou a qualquer outra barreira comercial externa; ela é fruto de uma cascata de impostos que incide sobre o produto, desde a importação até a venda final.

Vestuário e Calçados: Outro exemplo que toca o dia a dia é o preço de um bom par de tênis de corrida, um item essencial para muitos. Um tênis da marca Asics, que nos EUA pode ser comprado por cerca de $165,00, custa no Brasil R$1.329,00,00. É uma diferença que chega a ser uma vez e meia vezes maior que o valor original (nesse caso mas em outros a disparidade é muito maior chegando a três), dependendo da cotação do dólar. De novo, não é a política protecionista de outro país que encarece o produto, mas sim a nossa própria estrutura tributária.

O Absurdo dos Carros Nacionais: O caso mais flagrante e revoltante é o da indústria automobilística. Carros fabricados no Brasil, com mão de obra brasileira e insumos majoritariamente nacionais, custam mais caro para o consumidor daqui do que para o consumidor de outros países. Isso acontece porque esses veículos, ao serem exportados, saem do país praticamente livres da carga tributária que seria aplicada se fossem vendidos no mercado interno.

Veja o caso da Fiat Strada Adventure, um veículo popular e amplamente utilizado no Brasil. Enquanto o consumidor brasileiro paga cerca de R$79.990, o consumidor mexicano adquire o mesmo carro por cerca de R$61.050.

O mesmo acontece com o Renault Captur. No Brasil, o preço é de cerca de R$91.690, mas no México, o mesmo modelo custa aproximadamente R$64.050. A diferença de preço para o consumidor mexicano é de mais de R$27.000. Essa disparidade não é uma anomalia isolada, mas sim a regra. O que acontece com a indústria automobilística é um símbolo de como o sistema tributário nacional penaliza seus próprios cidadãos. O Brasil, de fato, exporta carros baratos e importa impostos caros.

A Teia de Impostos: ICMS, IPI, PIS, COFINS…

Para entender o porquê de tudo isso, é preciso mergulhar um pouco na complexidade do sistema tributário brasileiro. A carga tributária não é apenas um imposto, mas sim um emaranhado de tributos que se acumulam ao longo da cadeia de produção e distribuição.

1- Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): Incide sobre produtos industrializados e é um dos principais responsáveis pelo alto preço dos carros. Sua alíquota é alta e varia de acordo com o tipo de produto.

2- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS): Este imposto estadual é um dos mais complexos e onerosos. Sua alíquota varia de estado para estado e incide em cada etapa da cadeia de valor, o que gera o chamado “efeito cascata”, onde imposto incide sobre imposto.

3- PIS/Cofins: Contribuições federais que também incidem sobre a receita das empresas e, consequentemente, são repassadas para o preço final dos produtos.

Quando você soma todos esses impostos e adiciona a eles outros tributos menos conhecidos, o resultado é um “custo Brasil” que se traduz em preços finais que, para o consumidor, são simplesmente proibitivos. A verdade é que o governo brasileiro, em todas as suas esferas, é o sócio majoritário de todas as transações, sem compartilhar os riscos ou a responsabilidade pelo resultado. A cada real gasto, uma parte significativa escorre para os cofres públicos.

A Hipocrisia do Discurso

Enquanto o governo brasileiro critica as tarifas externas, ele impõe uma barreira fiscal interna muito mais rígida e prejudicial. A ironia é gritante: combatemos o protecionismo de Trump, mas praticamos um protecionismo fiscal brutal contra nossa própria população.

As autoridades brasileiras têm uma narrativa pronta para justificar a posição do país no cenário global, mas para o cidadão comum, essa retórica não encontra eco na realidade do dia a dia. A discussão sobre tarifas internacionais, por mais relevante que seja, perde força diante da evidência de que o verdadeiro vilão não é externo, mas sim interno.

A falta de transparência sobre a carga tributária é um problema adicional. O consumidor raramente sabe exatamente quanto de impostos está pagando em cada produto que compra, pois a maioria das notas fiscais não detalha esses valores de forma clara. Essa opacidade contribui para a sensação de que o problema é algo difuso e incontrolável.

O Grito de Frustração do Consumidor

A percepção do consumidor brasileiro é que, para ter acesso a bens de consumo, ele precisa pagar uma espécie de “pedágio” fiscal exorbitante. O alto custo de vida, a dificuldade em adquirir produtos duráveis e a sensação de que o dinheiro nunca é suficiente para cobrir as necessidades básicas estão diretamente ligados a esse sistema.

O resultado é um mercado interno enfraquecido e um poder de compra que diminui a cada dia. Muitos brasileiros se veem obrigados a adiar sonhos de consumo, como a compra de um carro novo, um computador ou até mesmo itens de vestuário e lazer, porque os preços são simplesmente fora da realidade.

Conclusão: O Tarifaço que Realmente Importa

O Brasil tem o direito e a necessidade de se defender no cenário de comércio global. As críticas às políticas protecionistas de outros países são válidas. No entanto, é fundamental que o país olhe para dentro e reconheça que o “tarifaço” mais severo e prejudicial é aquele que o próprio governo impõe sobre seus cidadãos.

A guerra comercial de Trump, com suas tarifas e barreiras, pode ter um impacto negativo na economia brasileira. Contudo, para o cidadão, a realidade é que o verdadeiro inimigo do poder de compra é o imposto. É o IPI que encarece o carro nacional, é o ICMS que aumenta o preço de cada produto na prateleira, é a soma de tudo isso que torna um computador ou um tênis quase um artigo de luxo.

O povo brasileiro, que trabalha arduamente para sustentar a si mesmo e a sua família, acha difícil de entender por que tudo é mais caro no Brasil. Eles veem as manchetes sobre o protecionismo americano, mas sentem na pele o peso do protecionismo fiscal brasileiro. A prioridade não deveria ser apenas lutar contra as tarifas externas, mas sim reformar um sistema tributário que penaliza, asfixia e mina a capacidade de crescimento de sua própria população. A verdadeira batalha a ser travada é a que se encontra dentro de nossas fronteiras, não fora delas.

Bruce Grant Geoffrey Payne Glazier
Membro Externo e Presidente do Conselho Consultivo da Fex Agro Comercial
Diretor da Valoradar
Trabalhou nos Bancos Lloyds, Singer & Friedlander e Mizuho e nas empresas Abril, Suez Environnement, TCP Partners e BTG Globa
Membro de Conselho certificado pela Fundação Dom Cabral
Mestrado em Finanças pela London Business School
Bacharelado em Economia e Ciências Políticas pela Northwestern University