
Acabo de ler o capítulo dedicado por Raissa Maritain a Henri Bergson, em As grandes amizades.
Ela conta o episódio em que procurou o filósofo, no Collège de France, para que a aconselhasse sobre os rumos que deveria dar aos seus estudos e à sua vida, e ouviu dele esta resposta:
– Siga sempre a sua inspiração.
“Era o mesmo que me dizer: siga você mesma – ela comenta – procure agir livremente. Decida de acordo com o que há de melhor em você”.
O toque de genialidade que Einstein deu à física, Bergson emprestou a filosofia. O primeiro ensinou que um instante, uma hora ou um dia nada significam sem um evento qualquer que os marque. Já Bergson percebeu que existe na consciência uma realidade contínua, que ele chama de duração, uma sucessão de mudanças que se fundem e se interpenetram sem contornos precisos. Esse o nosso verdadeiro tempo, o tempo psicológico.
Para Bergson, quanto mais a pessoa se pusesse toda em seus atos, mais a sucessão desses momentos representaria uma existência plena. Mas haveria um pressuposto para que isso se realizasse: que cada um desses atos resultasse da própria escolha dessa pessoa que, só assim, seria capaz de ive-lo com toda a alma.
O que se entende daí é que viver olhando as horas é viver marcando o tempo. É viver dando tratos à bola sobre quanto tempo já passou e quanto falta, quando o que realmente importa é o que estamos vivendo nesse tempo; o quanto vivemos nesse tempo.
Lá vou eu concluindo que a vida não é coisa de se marcar mecanicamente; é de se marcar com a alma.
Viver o nosso tempo. Colocarmo-nos nele por inteiro. E como se trata de um ato de nossa escolha, espontâneo, ive-lo significará viver a nossa liberdade.
São momentos de encontro da nossa verdade e só se assemelham aos proporcionados pela inspiração ou pela contemplação das grandes obras de arte que nos elevam e libertam.
– Siga sempre a sua inspiração, ensinou Bergson a Raissa Maritain.
Quem for capaz de viver assim irá com certeza constatar, ao final do breve passeio por este mundo, que terá vivido uma existência verdadeiramente livre.
Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.