VAR: de croquete a Chacrinha

Na discussão que se trava no futebol brasileiro, há vários anos, sobre o descontentamento geral [...]

Na discussão que se trava no futebol brasileiro, há vários anos, sobre o descontentamento geral (torcida, mídia, treinadores, jogadores, clubes) com o VAR, há um detalhe: se para o pessoal encarregado das arbitragens na CBF os procedimentos tecnológicos do VAR adotados aqui são os mesmos que funcionam na Europa, então a Confederação deve completamente perdida na sua missão de fazer o procedimento funcionar, pelo menos de forma razoável. O que já seria também criticável. No mínimo, uma obrigação dela.

Sempre que se procura analisar um problema tão sério como o do VAR brasileiro, é recomendável ao analisador buscar referências entre quem foi protagonista, dentro de campo, da condução de partidas de futebol. E a minha referência hoje é Arnaldo César Coelho, certamente o melhor árbitro brasileiro de todos os tempos.

Crítico seguro e que possui argumentação qualificada para dizer se um juiz pode se sentir vulnerável durante uma partida por força das imposições do VAR, Arnaldo já afirmou ao SporTV:  “o arbitro perdeu boa parte de sua autonomia porque ele sabe que qualquer decisão sua será revisada e isso cria uma insegurança enorme”.

Não creio que o “Árbitro Assistente de Vídeo” (nome oficial da ferramenta) seja, em termos de aceitação, uma unanimidade global porque ele tem contra si o fundamental no futebol: ferir a emoção do jogo. Mesmo na elite futebolística da Europa, onde o índice de acertos e interferências nas partidas são bem menores e com soluções muito ágeis, parece que a “tolerância” dos clubes fortes e poderosos fica no limite, ou seja, não pode haver abusos.

Mas, por lá também há insatisfações. Um exemplo inusitado ocorreu na Noruega, país onde o futebol é de segunda linha, mas nem por isso deixe de ser uma paixão. Desde que foi introduzido no país, em 2023, torcidas e clubes protestam contra o VAR. No início deste ano, 19 dos 32 clubes das séries A e B votaram pela abolição da ferramenta sob o argumento de que ela prejudica a essência do futebol. A Liga local nada pode fazer pois a determinação é da FIFA.

A torcida norueguesa, irritada, já fez até protestos bizarros atirando no gramado craquetes de peixe, bolas de tênis e até rolhas de champagne. Ano passado, o jogo Lillestrom x Rosenberg foi encerrado por causa do volume de objetos atirados em campo. Tudo por culpa do VAR.

Arnaldo César Coelho tem uma visão mais universal de como o VAR é encarado mundo afora. Diz ele: “O caso da Noruega é reflexo de um dilema mais amplo no futebol global: como equilibrar a modernização tecnológica com a preservação da essência do esporte? Para muitos, o VAR representa um avanço necessário. Para outros, como os clubes noruegueses, é uma intervenção que rompe com as tradições do futebol”.

Para ilustrar seu ponto de vista, Arnaldo coloca até o notável “Velho Guerreiro” Chacrinha em sua análise: “Eu não sou contra (o VAR) propriamente dito. Eu sou a favor da tecnologia para dirimir dúvidas, como se a bola entrou ou não entrou. Acontece que a FIFA criou um VAR cheio de penduricalhos. Teoria é fácil, na prática é difícil. O VAR é o “Chacrinha moderno”. O Chacrinha falava “Eu vim para confundir, eu não vim para explicar”. Então, o VAR para mim é o Chacrinha”.

Para Arnaldo César Coelho, os compromissos do juiz de futebol com o seu dever de fazer valer as regras do jogo foram deixados de lado:

“O árbitro está transferindo sua responsabilidade para o VAR. Assim qualquer um apita. Isso sem falar do bandeirinha, o assistente. Se colocar um gandula como assistente é a mesma coisa”.



Erasmo Angelo é Jornalista, formado em História e Geografia pela PUC/MG. Foi Redator e Colunista do Jornal Estado de Minas dos Diários Associados, e do Jornal dos Sports/Edição MG, cobrindo o futebol e esportes no Brasil e no Exterior, em Campeonatos Mundiais de Futebol e em Olimpíadas. Atuou destacadamente na TV e na Rádio, na TV Itacolomi, TV Alterosa, Rádio Itatiaia, Rádio Guarani e Rádio Mineira. Foi Presidente da ADEMG – Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais, na administração do Mineirão e do Mineirinho. Foi Editor da Revista do Cruzeiro. Autor