
Ele aparecia toda as manhãs, rigorosamente no mesmo horário. No princípio a secretária ainda comentava, com sua sisudez de sempre: “o rapaz dos remédios naturais está lá fora”. Com o tempo, fazia trocadilho com a condição do vendedor de remédios derivados de plantas e seu hábito de plantar-se nos lugares para ser recebido: “O Planta está aí”. Mais de uma vez passei pela sala de espera, chegando ou saindo, e o vi lá bem plantado, paciente, estóico. Um dia resolvi: “Mande o Planta entrar”. E, distraído, saudei-o com um “ôi, Planta”.
Mas imediatamente batizei-o de Zola. Acabara de ler “Germinal”, onde o mestre do Naturalismo falava de “homens cuja germinação não tardaria a fazer rebentar a terra” e havia recordado alguns aspectos daquela doutrina filosófica. E lá estava na minha frente o Planta, quer dizer, Zola, falando da natureza, de suas maravilhas, da ligação do homem com a terra e com o universo, ou seja: o jovem que há meses frequentava meu escritório era um filósofo.
Tinha uns 20, não mais do que 22 anos, era moreno encardido e tinha vindo do Vale do Jequitinhonha. Falava manso e sorria com os olhos. Adorava sua região, sua cidade e o sítio onde nasceu: “É o lugar mais pobre e mais bonito do mundo”. Vendia remédios feitos de plantas que dizia, com pura convicção, “só faziam bem”. Eram todos apresentados em cápsulas, contendo extrato seco de raiz, frutos, flor, caule e folha.
Com meu amigo Zola aprendi que stress se cura com catuaba; obesidade, com alcachofra; estrias e celulites com raiz de cogumelos; gastrite, com chapéu de couro que ainda por cima é bom para reumatismo; espinhas e cravos, com espinheira santa; diabetes, com pata de vaca ou unha de boi. Zola entendia do recado: “É bom para diabetes porque essas plantas eliminam toxinas. O chapéu de couro elimina gazes em excesso. A flor da paixão tem a vantagem de acabar com insônia, depressão e ansiedade, sem provocar sonolência”.
E Zola falou-me maravilhas de outras plantas, como assa-peixe, acerola, limão-bravo, arnica, erva-de-bicho, canela-do-Ceilão, abacateiro, etc. Achou-me um pouco gordo e garantiu que em pouco mais de dois meses eu estaria “sequinho, sequinho” com a medicina natural, como sempre acrescentando: “além de tudo você vai ficar com o intestino joia e também o fígado e o estômago”. Lembrei-me da feijoada que já havia combinado com amigos para o Sábado e achei que aquilo seria inútil ou, no mínimo, cínico.
E foi-se o Zola, levando com ele o sonho de libertar-me de vez do stress, da ansiedade, da gastrite, dos quilos a mais e outros incômodos. Nunca mais voltou.
Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.


