
Será que as instituições norte-americanas conseguirão resgatar e fazer prevalecer a opção pela civilização?
Difícil dizer. A história daquele país contém exemplos de civilização e de barbárie! No primeiro grupo está a fundação da República moderna; muitas ideias dos “pais fundadores”; a recusa, por George Washington, de se tornar rei; muitos dos textos dos “Federalists Papers” apontam na mesma direção. No outro conjunto estão o que fizeram seus nacionais com os habitantes originais da terra e com os africanos levados para lá; outro exemplo são os horrores de Hiroshima e Nagasaki, matando cidadãos de um país agressor, sim, mas já claramente derrotado, com o objetivo de intimidar a até então aliada União Soviética.
Trump substituiu princípios civilizatórios – negociação, direitos humanos, império da lei, respeito ao devido processo legal, tratados internacionais, entre outros – pelo caminho da barbárie – força bruta, arrogância, humilhação dos mais fracos, prepotência, chantagem, distorções das leis, entre outros. Forçou aliados a desviar para fins militares recursos que poderiam ser aplicados em melhoria civilizatória.
Trump sabe, como todos sabemos, que ampliar a extração e queima de petróleo e outros fósseis vai matar ainda mais gente do que mata hoje, mas opta por “drill baby drill”, acelerando as mudanças climáticas; ele sabe deste fenômeno que, ante tantas evidências, é impossível não reconhecer, mas o nega em razão da sua aliança com o grande capital petrolífero e seu sonho de grandeza.
Trump sabe do genocídio em curso em Gaza, mas mantém o apoio aos criminosos que o comentem. Num país onde prevalece – ou prevalecia? – o direito consuetudinário, resgata normas em desuso para violentar famílias de imigrantes, chantagear e tentar destruir universidades acusadas do crime de garantir o direito à livre manifestação pacífica. Diz defender a liberdade de expressão e persegue jornalistas que o criticam.
O governante que quer trilhar o caminho civilizatório ouve opiniões diversas e se cerca de pessoas com coragem de dizer-lhe não; Trump só escuta a si mesmo, decide – sem avaliar as consequências da decisão – para pressionar aliados que ele mesmo torna adversários e nomeou apenas quem só diz sim. Não espanta que seu ainda curto segundo mandato já tenha causado tanta turbulência mundo afora.
Turbulências desagregam, fortalecem o “cada um por si” que leva à barbárie, enquanto civilizar tem, necessariamente, de agregar, estimular a cooperação, respeitar a diversidade.
As tendências alentadas por Trump são todas no sentido contrário do processo civilizatório. Teria sido sua eleição resultado de um império em decadência, em seus últimos estertores? É possível.
Embora seja inegável a perda de importância dos EUA nas últimas décadas – econômica, tecnológica, cultural e como soft power – é também inquestionável que aquela nação continua poderosa em todas essas dimensões, em especial militarmente. Governada por quem promove a barbárie, turbulências, transforma aliados em adversários e se guia pelo sonho de recuperar a grandeza nacional, tenderá ela a usar essa força militar para aplacar o sentimento de frustração com o próprio sonho americano que tomou conta de grande parte da sua população?
Há, lá e cá, em todos os cantos do planeta, forças que buscam civilizar, cooperar, respeitar o outro, aplacar divergências e construir melhor qualidade de vida para a maioria. Tais grupos estão enfraquecidos pelo crescimento dos semelhantes ao Trump. Abandonar o campo que promove a barbárie e abraçar, com determinação, tendências civilizatórias é urgente. Nenhum de nós pode hesitar neste caminho, nesta opção.
E você, leitor, já se decidiu?
Eduardo Fernandez Silva é Mestre em Economia pelo Institute for Social Studies da Universidade de Hague. Foi Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Autor.