
Na coluna anterior citamos três personalidades do futebol brasileiro (Pelé, Garrincha e Nelson Rodrigues) e hoje vamos lembrar um pouco de outro gênio do nosso esporte mais popular: João Saldanha.
“Meus amigos…” – Era assim que João Saldanha abria seus comentários de jogos nas emissoras por onde passou, nos quais modernizou a linguagem técnica para se comunicar com o ouvinte, fazendo o público entender com facilidade os pormenores de uma partida. Culto, inteligente, dono de uma fluência verbal incomparável, Saldanha fazia da informalidade de comentar futebol seu modo de interagir com o ouvinte.
Nos veículos de comunicação onde trabalhou, João Saldanha sempre exibiu seu talento, sua imaginação, sua veemência sobre futebol em atuações nas rádios Guanabara, Nacional, Globo, Tupi, Jornal do Brasil, Tvs Rio, Manchete, Globo; jornais Ultima Hora, Jornal do Brasil, O Globo e revista Placar.
Embora formado em Direito, a paixão de João Saldanha era o futebol. E, politicamente, o comunismo, filiado desde 1947 ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o que lhe valeu o histórico atrito com a ditadura militar, em 1970, ao ser demitido da Seleção Brasileira.
Em 1957 ele inaugurou sua era vitoriosa no futebol. Naquele ano, de diretor de futebol do Botafogo (seu clube de coração), Saldanha passou a técnico do time profissional e foi campeão estadual. Na final, aplicou histórico 6 a 2 no Fluminense, ante 90 mil pessoas no Maracanã, com cinco gols de Paulo Valentim. artilheiro que o clube buscou no Atlético Mineiro. Em 1959, Saldanha abandonou a atividade de técnico, foi estudar jornalismo e passou à função de comentarista, onde se consagrou na carreira.
Em fevereiro de 1969, aos 52 anos de idade e passados 12 anos da conquista com o Botafogo (1957), ele surpreendeu o mundo do futebol ao aceitar o convite para comandar a Seleção Brasileira, feito exatamente por aquele a quem dirigia críticas duríssimas: João Havelange, presidente da então Confederação Brasileira de Desportos (CBD). A missão do João era preparar o time para o Copa do México. Apesar do ótimo desempenho nas eliminatórias (6 vitórias, 23 gols a favor e só 2 contra), Saldanha era cercado por desafetos, principalmente pelos militares da ditadura, que não o toleravam por causa da sua condição de comunista.
Em março de 1970, três meses antes da Copa, foi aceso o estopim de crise. Pressões de toda ordem agitavam a seleção e o alvo era o técnico. Do mal desempenho do time em jogo-treino contra o Bangu e derrota em amistoso contra Argentina, explodiu o episódio do general Médice, que presidia o país e reivindicava a convocação do atacante Dario, do Atlético Mineiro. Cobrado pela imprensa, João Saldanha retrucou:
“O Brasil tem 80 ou 90 milhões de torcedores, de gente que gosta de futebol. É um direito que todos têm. Aliás, eu e o presidente, ou o presidente e eu, temos muitas coisas em comum. Somos gaúchos, somos gremistas, gostamos de futebol e nem eu escalo ministério nem o presidente escala time. Você tá vendo que nos entendemos muito bem?”.
Foi uma bomba no meio militar pois ninguém jamais teve a audácia de enfrentar a ditadura. Até alguns integrantes da mídia abriram campanha contra Saldanha. Na noite de 17 de março, 78 dias antes da estreia do Brasil na Copa, João Havelange chamou o técnico e lhe disse: “A comissão técnica está dissolvida”. Com ironia, Saldanha respondeu:
“Não sou sorvete para ser dissolvido. O que quer dizer dissolvido? Demitido?”
Havelange secamente respondeu: “Está demitido”.
Bem ao seu estilo, demostrando indiferença, Saldanha levantou-se e disse: “Então boa noite. Vou pra casa dormir”.
No dia seguinte, João Saldanha foi prosseguir com sua inspirada carreira jornalística. Morreu aos 73 anos, em 12 de junho de 1990, em Roma, onde, já muito doente, participou da cobertura da Copa do Mundo na Itália. Teve edema pulmonar, tragado pelo fumo que danificou seus pulmões. Deixou como legado – e como poucos – o profundo saber sobre futebol.
Erasmo Angelo é Jornalista, formado em História e Geografia pela PUC/MG. Foi Redator e Colunista do Jornal Estado de Minas dos Diários Associados, e do Jornal dos Sports/Edição MG, cobrindo o futebol e esportes no Brasil e no Exterior, em Campeonatos Mundiais de Futebol e em Olimpíadas. Atuou destacadamente na TV e na Rádio, na TV Itacolomi, TV Alterosa, Rádio Itatiaia, Rádio Guarani e Rádio Mineira. Foi Presidente da ADEMG – Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais, na administração do Mineirão e do Mineirinho. Foi Editor da Revista do Cruzeiro. Autor