Quem tem direito a votar tem todo o poder? (por Edson de Oliveira Nunes)

Tem essa coisa do controle da oferta frente à demanda. Em economia, tal controle é difícil, mas pode ser [...]

Tem essa coisa do controle da oferta frente à demanda. Em economia, tal controle é difícil, mas pode ser obtido por meio de conluio entre empresas, se as empresas negociarem termos de entendimento sobre os preços oferecidos, podem tentar administrar o poder dos consumidores e o preço que precisam pagar para consumir.

No passado, coisa dessas histórias cariocas, as pessoas se surpreendiam com o fato do preço do cafezinho ser o mesmo ao longo de vários estabelecimentos, bares e botequins, no Rio de Janeiro inteiro. E o preço mudava no mesmo dia em todos botequins. Consta que a moçada combinava o preço a cobrar. E todo cafezinho tinha o mesmo preço.

Aí se se justifica a intervenção do Estado, para coibir o conluio, o oligopólio, e estimular a disputa.

Quando chega na política, dá-se coisa parecida. O cafezinho, o voto e seu resultado, parece ter o mesmo preço. As pessoas que servem o café, bem como o gosto da beberagem, parecem mais umas com as outras do que parecem conosco. Alguém há de lhes estar dando esse direito, de arbitrar o gosto do café, o jeito de servir, e o preço a oferecer.

Pois é. No caso da política, o Estado que intervém na oferta dos candidatos, é o mesmo Estado que dita as regras para servir o café. O mesmo camarada faz o café, serve ao consumidor, arbitra o seu preço e decide quem pode tomar café.

Como é a mesma moçada que decide tudo isso, não é surpresa que todos os servidores de café, bem como o preço, sejam parecidos. Cada um é o robô imaginário do outro. E as empresas que vendem café não podem ser punidas pelo conluio de oferecerem produtos e servidores idênticos, sacrificando o gosto do consumidor.

Ou seja, não tem regra sobre conluio empresarial e oligopólio na política, na oferta de candidatos. Quem avalia o conluio é o mesmo camarada que faz as regras. E ele está muito satisfeito com o resultado. Há um oligopólio legal em política eleitoral: quem controla o sistema favorece os oligopólios e impede que você consuma cafés sofisticados, diferentes ou inovadores.

Não estou resmungando de nada. Apenas reconhecendo que o mercado eleitoral é naturalmente aceito e reconhecido como um mercado oligopólico. E nesse país, no qual parece natural que a Justiça Eleitoral faça propaganda na televisão, somos convidados a mostrar o tal Brasil que queremos por meio do voto individual.

Cientistas políticos relevantes dizem que está tudo bem, que as instituições estão funcionando bem. Mas se é assim, porque é que quando um animal político, do qual se pode discordar aqui ou ali, como o Eduardo Jorge quando aparece, ou o Gabeira, como entrevistador, na Globonews, a gente começa a pensar: onde está essa gente, complexa, desarmada, inteligente?

Vai ver que está na conversa sobre o preço do cafezinho. Nos oligopólios sancionados pela lei. Só nos vendem o café vagabundo, mas tem café gourmet por aí, resta combater o oligopólio, ou seja, de quem tem direito a vender café.

Edson de Oliveira Nunes é Ph.D. em Ciências Políticas pela Universidade de Berkeley. Foi Presidente do IBGE, Presidente do Conselho Nacional de Educação. É Professor Emérito da Universidade Candido Mendes. Autor

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