Que tal 35.000 prefeitos? (por Eduardo Fernandez Silva)

A quase totalidade dos brasileiros considerará um absurdo a ideia de se ter tantos dirigentes municipais. Um recente ex-ministro da fazenda queria reduzir o número dos [...]

A quase totalidade dos brasileiros considerará um absurdo a ideia de se ter tantos dirigentes municipais. Um recente ex-ministro da fazenda queria reduzir o número dos atuais cerca de 5.700 para um total não especificado. Logo calou-se, imagino que em razão de reações negativas daqueles que se locupletam com as verbas transferidas aos municípios, verbas das quais suas populações pouco ou nada se beneficiam.

Não obstante, 35.000 prefeitos é uma realidade, e funciona! Onde? Na França, cuja população vive melhor que a daqui! Lá, 12.000 gestores municipais se reuniram, de 18 a 20/11/25, em Paris. Todos os políticos importantes estiveram no evento, pois dependem do apoio de prefeitos nas eleições.

Façamos as contas: os 70 milhões de franceses vivem num território do tamanho de Minas Gerais; o Brasil é 15 vezes maior, com três vezes mais gente, e tem apenas 5.700 prefeitos! Para completar o espanto, no Brasil existem 60.311 vereadores, enquanto na França são 500.000, a maioria voluntários, sem remuneração, diferentemente do que ocorre aqui!  Ainda fazendo contas, há um vereador para cada 140 franceses e, aqui, um para cada 3.648 brasileiros!

Com esses números, é difícil dizer em qual país a população se encontra mais bem representada e, por decorrência, tem suas prioridades mais respeitadas pelas administrações locais?

Mesmo sem contar a parcela das emendas que embolsam, sem recibo, é claro que a remuneração oficial dos políticos brasileiros é errada e absurda, tamanha a diferença entre o que ganham, os parcos benefícios coletivos que geram e o que aufere a população. É errado também que sejam tão poucos, pois esse pequeno número significa, também, que há grande afastamento entre eleitores e eleitos.

Na França, quase 70% da população confia nos prefeitos; nos deputados, apenas 42% e no presidente Macron, só 23%. Quanto mais longe a política, mais aumenta a desconfiança em relação a ela. Quanto mais próxima, mais ela deve resolver os problemas cotidianos, e mais a população se envolve com os assuntos coletivos. Lá, há municípios com menos de 1.000 habitantes, muitos prefeitos e 2/3 dos vereadores atuam sem remuneração. Isso significa, necessariamente, que a representação da população, lá, é muito maior que no Brasil, sem onerar a população! Maior representação é praticamente sinônimo de políticas públicas melhores, mais inclusivas e mais eficazes!

A maior representatividade popular aproxima eleitor e eleito e facilita, por um lado, solucionar problemas locais, e por outro, fiscalizar o destino das verbas públicas. O Brasil, com tão poucos “gestores” e tão grandes municípios, tornou quase impossível fiscalizar e improvável a boa gestão dos problemas locais.

No Congresso de Paris, a ex-prefeita de uma vila de 8.000 habitantes, reclamava: “70 horas de trabalho por semana e um salário de apenas 80% do salário-mínimo, sem tempo para a vida pessoal”! Ela abandonou a política e lançou um livro intitulado: “Prefeitos, que grande bagunça”! Preocupações comuns entre os participantes: a cada semana chegam novas e custosas regras feitas em Brasília; oops, melhor dizendo, em Paris! Os meios são insuficientes; aumentam os roubos e as agressões verbais e físicas; preocupa o tráfico de drogas nas áreas rurais.

Importante também registrar que muitos prefeitos, lá, não são filiados a partidos, e apenas nas maiores cidades, e nos estados, os partidos se tornam importantes. A possibilidade de candidatura independente reduz o poder dos “donos de partido”, democratizando a escolha de candidatos e, por consequência, de eleitos.

Aproximar o modelo de representação – e remuneração – brasileira do Francês seria um passo gigantesco no sentido de reduzir o déficit de democracia que existe aqui, e de possibilitar rápida melhoria nas condições de vida da população.

No Brasil, alguma vez, alguém, propondo uma reforma política, considerou tratar da deficiência de representação aqui apontada, ao invés de sugerir obscuros, indefinidos e questionáveis malabarismos como semipresidencialismo ou voto distrital misto?

Eduardo Fernandez Silva é Mestre em Economia pelo Institute for Social Studies da Universidade de Hague. Foi Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Autor.

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