Postergação? Sem essa! (por Lindolfo Paoliello)

Foi você quem começou, e agora quero saber de tudo. Me dê aí um exemplo de postergação. [...]

– Eu não suporto a postergação! Disse o senhor idoso ao menino.

– E o que é isso?

O velho explicou o que é postergação.

– Uai! mas não é isso que todo mundo faz?

Então o velho deu um longo suspiro e olhou para longe, como se procurasse alguma coisa, e disse: “É isso mesmo. As decisões são sempre adiadas, deixadas para depois. A gente fica esperando e nada acontece”. Falou isso com um ar triste, só faltando dizer que não tinha mais muito tempo para esperar.

–  Então, vô, você acha que fica todo mundo empurrando com a barriga?

– Pois é, ficam protelando.

Ao que o cronista que não participava do diálogo, mas que tem direitos sobre o texto, acrescenta: Procrastinam, enrolam, adiam, retardam, pospõem, prorrogam, deixam ficar para ver como é que fica.

– Mas você não vive dizendo que o sono é bom conselheiro?

– Digo sim, mas quando acordo tomo uma decisão, errada ou certa, e faço alguma coisa. Quem adia por adiar, não faz nada, simplesmente porque não adiou para fazer, mas porque não queria fazer.

– Então é uma coisa feia, não?

– É, mas as pessoas se deixam enganar, até parece que gostam de ser enganadas, e para não ouvir um “não” preferem um suspense masoquista.

– O que é suspense e o que é masoquista?

– Sem essa, cara. Não é assim que gosta de dizer? Vamos parar por aqui e ver um desenho na internet.

– Não mesmo! Foi você quem começou, e agora quero saber de tudo. Me dê aí um exemplo de postergação.

– O canivete suíço que seu pai ficou de me dar e não deu.

– Isso é muito pouco. Uma coisa maior.

– O equilíbrio nas contas do governo. Já estamos em novembro e o governo segue empurrando com a barriga.

– Nossa, que barato. E ele gasta do jeito que quer?

– Gasta. E esse barato sai caro.

– Ah, vô. Esse Brasil é muito doido, não é?

– Supimpa.

– Me dá exemplos de pessoas que não postergaram ou não postergam.

– É fácil, veja só: Ayrton Senna, Pelé, Juscelino, Truman (o que mandou lançar a bomba atômica no Japão), Napoleão, Júlio César…Tem muita gente.

– Puxa vida! Mas isso é gente antiga. Me diz agora quem é que anda postergando.

– Isso não posso fazer. Iria desagradar a muita gente. Sua mãe lhe ensinou que a gente não deve desagradar aos outros, não é?

– Diz, vô, diz!                  

– Depois. Agora não.

– Mas, vô, aí você está postergando.

– O que é isso, menino! Olha a falta de respeito. Vai brincar, vai, vai…

Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.  

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