O poeta que não sou (por Lindolfo Paoliello)

porque meu mundo se dissolve quando alguém o toca. [...]

Eu gostaria de escrever uns versos. São os versos que nunca escreverei. E, no entanto, se um dia os escrevesse, seriam versos meigos, ternos, leves versos.

Eu gostaria de escrever uns versos. Seriam versos alegres ainda que, no fundo, fossem tristes. E não permitiria nunca que a tristeza do poeta empalidecesse o fulgor dos versos.

Sonho com esses versos, como sonhei com os filhos que não tinha, e cobicei. Com a mesma fixação que com que pensava na mulher amada; que conquistei.

Preciso, e quero, fazer uns versos. Mas a poesia requer ritmo, exige métrica. E eu que tenho lá minhas deficiências de coordenação motora, às vezes penso como poderia ter a pretensão de ordenar o belo.

Ainda assim, vivo arquitetando esses versos. Eu os planejo como planejei meus projetos mais loucos; que terminei por tornar reais um dia.

São minha utopia, esses meus versos. Por isso, creio neles: habituei-me a buscar na abstração a matéria prima com que vou construindo minha realidade. Esses meus versos vão se fazendo assim à imagem e semelhança de seu criador; porque meu mundo se dissolve quando alguém o toca.

Ainda hei, no entanto, de dar forma concreta a esses versos. Seriam o modo de dizer o que não digo em prosa. Neles viveria a vida que não vivo, num mundo que nunca alcançarei.

Desejo e odeio esse poeta dos meus sonhos, com a mágoa com desdenhamos de tudo aquilo que não somos. É minha luz esse poeta e, no entanto, é minha sombra. É minha cordilheira e meu vale mais profundo.

Esse duende brincalhão e louco é que me transporta para as nuvens enquanto os outros falam. É quem me faz morrer de rir nas horas mais inoportunas. E me sussurra coisas tristes onde todos riem.

Tenho esperança de encontrar-me um dia, em definitivo, com esse amigo. Duende, fauno, saltimbanco ou doido, nele é que vive o segredo dos meus versos.

Ainda hei de escrever uns versos. E mesmo quando me parece longe a possibilidade desse encontro, há sempre o consolo de que um dia alguém, removendo com carinho os meus escritos, descubra ali no meio uns versos. Tomado então de um misto de saudade e de surpresa, quem sabe há de dizer: “Vejam só, era um poeta”.

Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.

Compartilhe esse artigo: