O dia em que Paul Newman me matou (Luis Giffoni)

Há muitos anos, fui estudante intercambista em Los Angeles. Na escola para a qual fui enviado, perto de Beverly Hills, alguns alunos eram filhos de gente famosa de Hollywood. [...]

Há muitos anos, fui estudante intercambista em Los Angeles. Na escola para a qual fui enviado, perto de Beverly Hills, alguns alunos eram filhos de gente famosa de Hollywood. Estava no último ano do ensino médio. A fim de orientar os formandos na escolha dos cursos universitários, o reitor patrocinava encontros com nomes de sucesso em diversas profissões. Para falar sobre a carreira cinematográfica, o convidado foi Paul Newman, então no auge da popularidade. Compareceu sem cobrar nada, amigo dos pais de um colega. Confessou estar satisfeito em ser estrela. O salário era bom, ironizou. Dava para comprar a comida e sobrava um troco. Todos avançaram sobre ele ao final da apresentação para pegar autógrafo.

Fiz diferente. A escola realizava a rifa de um Mustang para ajudar nas obras sociais, e cada aluno deveria vender cem números. Cem números. Um dólar cada. Detesto vender rifa. A gente implora pelo menos mil vezes “por favor, compre esta rifa” e ouve novecentos e noventa e nove “não”. Um ator famoso estava ali. Tinha grana. Por que não oferecer a ele? No máximo ouviria outro “não”.

Na saída do auditório, abordei-o:

– O senhor gosta de ajudar os necessitados? – eu sabia o quanto isso era importante para ele. Sempre se envolvia com causas sociais.

– Claro.

– Estamos com uma campanha para ajudar os necessitados do mundo. Uma rifa. Mustang zero de prêmio. Um dólar apenas o tíquete. Por favor, compre alguns na minha mão.

Ele me encarou com olhos zombeteiros. Escutara direito? O que aquele pirralho cara de pau lhe propunha? Viera falar de graça naquela escola e ainda tinha de enfiar a mão no bolso? Encarei-o também. Senti que, por dentro, ele xingava minha mãe. Coitada da velha. Tão longe e tão mal pensada.

– E então? – insisti. – Só um dólar cada. Um dólar. Unzinho.

Meus colegas nos cercaram, curiosos com o desfecho. Paul Newman se viu numa sinuca de bico. Esticou o polegar e o indicador para formar um revólver fictício, puxou bem para trás o polegar, mirou a arma em minha testa. Permaneci firme. Ele disparou um dedo sobre o outro:

– Bang!

Fingi que caía morto.

– Quantos tíquetes você tem? – ele tornou, risonho.

– Cem.

– Me dá todos.

Os colegas choveram sobre ele com pedidos de compra. O ator apontou para mim:

– Só os dele.

Tirou uma nota novinha de cem dólares, uma raridade na época. Pegou os tíquetes e me alertou:

– Não se esqueça de levar o carro lá na minha casa, quando eu ganhar.

Não deixou o endereço. De nada adiantaria. Não ganhou nem aproximação.  

 

Luis Giffoni é Escritor, Membro da Academia Mineira de Letras. Prêmio Jabuti

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