Natal de um Pai sozinho (por Lindolfo Paoliello)

nosso amigo cumprimenta, polidamente, a morena alta que trouxe a criança, mas ela lhe dá as costas.[...]

Ele chega meio acabrunhado, cumprimenta a assistente social, entrega a caixa de bombons e lhe deseja feliz natal. Escolhe um lugar discreto, entre as cadeiras que enchem o corredor, e começa a espera. Sabe que, daí a pouco, vai chegar o homem com bigode estilo Clark Gable, ele sempre é o segundo a chegar, depois virá a senhora gorda com a filhinha e o filho adolescente e o menino vai gritar várias vezes que detesta o homem de bigode estilo Clark Gable, mas a menina vai abraçar-se ao homem e dizer “paizinho, eu te adoro”.

Tudo acontece exatamente assim, e, em seguida, chega a loura bonita, mãe da garotinha que está lá no fundo de mãos dadas com o pai, e a assistente social dirá várias vezes: “Vai Claudinha, vai abraçar sua mãe”, e a garotinha vai agarrar-se ao pai, como se estivesse se escondendo de uma assombração, e a loura bonita vai embora, limpando os olhos com um lencinho rendado.

Agora o corredor já está lotado, chegaram mais duas assistentes sociais e vão acontecendo as cenas de sempre, como a da mulher acompanhada do pai, do irmão e do filhinho de uns oito anos que acaba sem brincar com o pai: a mãe, o tio e o avô fazem um escândalo e o pai desiste, mais uma vez, deixando um brinquedinho na mão da assistente social.

Então o nosso amigo que observava de um lugar discreto, entre as cadeiras que enchem o corredor, levanta-se de uma vez e corre, tropeçando na senhora gorda, para encontrar seu filhinho, que está chegando. Os dois se abraçam e giram como se fossem uma pessoa só e o nosso amigo cumprimenta, polidamente, a morena alta que trouxe a criança, mas ela lhe dá as costas e fala com a assistente social para lembrá-lo de que tem que estar de volta às seis da tarde.

No entanto, eles já alcançaram a porta do elevador e, em segundos, ganham a rua, e gritam, e ele pergunta ao homem do carrinho de pipocas por quanto vende o carro e as pipocas, o garotinho vibra e os dois saem empurrando o carro. Depois encostam o carrinho de pipocas no estacionamento e vão para o “play-center”, apostam corrida no “tromba-tromba”, disputam no tiro-ao-alvo, patinam juntos e vão almoçar.

Saem do restaurante e vão à sessão das duas, assistem ao filme todo de mãos dadas e o garotinho não vê que, de vez em quando, o pai lhe dá furtivas olhadelas e, em seguida, passa as mãos nos olhos, desajeitadamente.

Então eles vão à loja de brinquedos e o menino escolhe o seu presente e ele diz que aquilo é pouco, para escolher mais um e acaba escolhendo ele mesmo um dos que gostava quando era pequeno e os dois saem da loja carregando duas enormes caixas.

Fazem o percurso de volta conversando muito, o pai lhe dá aquelas mesmas olhadelas do cinema, agora ainda mais furtivas, e se lembra da morena alta que conheceu nos tempos de colégio. Lembra-se de que costumava se divertir com ela naquele mesmo “play-center”, lembra-se de que ia ao cinema com ela de mãos dadas, lembra-se das primeiras brigas, logo depois das primeiras férias juntos, e daquele dia em que resolveu não voltar para casa depois do expediente.

Agora eles chegam de novo ao corredor onde está escrito “10ª Vara da Família”, o menino lhe dá um longo beijo e, quando a porta do elevador já se fechava, ele ainda o ouviu gritar “papai, eu gosto de você”.

Ele chega ao estacionamento e vê, em um canto, o carrinho de pipocas. Olha para ele, durante um longo tempo, depois a empurra de volta para a rua, onde vê dois garotinhos lavando um carro. Chama o mais novo, entrega-lhe o carrinho e não resiste: mete-lhe um beijo na testa e lhe diz: “Feliz Natal”.

Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.

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