
Jards Macalé era um lugar fora do mapa, onde a canção se permitia arrancar as máscaras da vida para ficar só com os “ossos” do som e do sentido. E com contrastes.
O cantor e compositor carioca, aos 82 anos, deixou a cidade que tantas vezes habitou em ruínas poéticas. Não sei se estou falando do Rio de Janeiro ou Gotham City. Mas tanto faz.
Ele que foi chamado de “maldito” pela crítica e usado como palavra-síntese daquilo que não se encaixa, sempre destoou mesmo. Mas destoou de uma arte industrial que insiste em seguir padrões de mercado. Jards era um músico excepcional, que trouxe para a canção popular uma disciplina que atravessava o acaso, fazendo de coisas estranhas um modo de habitar melodias e poesias desconcertantes.
Sua singularidade não é apenas técnica ou teórica, mas ética e performática. Na interpretação de Macalé, ele não só cantava, como encarnava as canções, movia-as, respirava-as. Esse gesto de encarnar a canção criou um legado de transgressão estética. Quem o viu ao vivo sabe bem do que estou falando.
Que a cidade, real ou não, cuide agora das suas canções; que os pesquisadores sigam rastreando suas tramas; que os jovens encontrem nas suas transgressões um mapa para desembaraçar a mesmice. A arte é isso: um legado que se recusa a morrer inteiramente porque insiste em ser ouvido, revisitado e reinventado. Hoje choramos e cantamos, como ele ensinou – entre o riso torto e a ternura resistente.
Viva Jards Macalé!
Romero Carvalho
Jornalista Cultural
Dr. em Ciência da Religião



