Lula vai a Canossa?

Em janeiro de 1077, sob um inverno rigoroso, sobre o gelo e a neve profunda, o imperador do Sacro Império [...]

Em janeiro de 1077, sob um inverno rigoroso, sobre o gelo e a neve profunda, o imperador do Sacro Império Romano Germânico, Henrique IV, junto com a mulher e o filho, atravessou os Alpes e ficou descalço na neve por três dias às portas do Castelo de Canossa, na Itália, vestido em trajes de penitência (um simples saco de lã), para pedir perdão ao Papa Gregório VII que o excomungara, cumprindo ameaça anterior que fora objeto de retaliação pelo imperador que, em 1076, no Sínodo de Worms, reuniu os príncipes alemães e declarou o Papa deposto.

A excomunhão significava a exclusão da comunidade cristã e a danação eterna, o que por si só causava terror ao excomungado. Além disso, no caso do imperador, as consequências sócio-políticas implicavam a liberação dos vassalos e súditos de seus deveres de lealdade, a concessão de liberdade a outros reis e príncipes de atacá-lo e o fim do mandato divino para governar, a par do isolamento social, pois a excomunhão obrigava os demais cristãos a cessar qualquer relacionamento com o excomungado, tornado pária.

Henrique IV, diante da pena imposta e do início de rebeliões de príncipes vassalos, já descontentes, e ciente de que o Papa estava a caminho de Augsburg, na Alemanha, para um novo concílio que por certo significaria a consolidação da oposição de príncipes alemães ao Império, ficou entre a cruz e a caldeirinha: ou se humilhava cedendo às exigências papais e obtendo perdão, ou perderia sua posição e controle sobre o império e, de lambujem, sua alma.

Assim, para evitar o mal maior, em desespero e premido pela urgência, o imperador humilhou-se diante do Papa, obtendo a absolvição e a permanência do Império.

O conflito entre o Papa e o imperador foi parte da “querela das investiduras”, que consistia em definir a competência e o poder de nomear bispos e abades, que usualmente eram senhores feudais poderosos, com terras e homens de armas. Os monarcas pretendiam com o poder de investidura controlar territórios e assegurar a lealdade de clérigos vassalos, enquanto os papas viam esse direito como monopólio de sua autoridade espiritual e da autonomia e supremacia espiritual e moral da Igreja sobre o poder temporal.

O Imperador, humilhado, manteve seu trono, que enfraqueceu a longo prazo, e o Papa emergiu como a força política e religiosa dominante da Europa, permitindo à Igreja consolidar sua estrutura interna e sua independência do poder secular.

O poder extremo do Papa compara-se hoje, mutatis mutandis, ao do Presidente Trump, que por decisões pessoais estende a corda de exigências econômicas ao grau máximo de tensão, impondo aos outros Estados tarifas de importação sem precedentes e de forma unilateral, denominando-as recíprocas. No caso do Brasil, em acréscimo, o presidente dos Estados Unidos, potência dominante no âmbito militar, tecnológico, financeiro e econômico, a par de tarifas recíprocas unilaterais de dimensões continentais, impôs e ameaça impor novas sanções fundamentadas em questões políticas e institucionais próprias do Brasil, incluindo a cessação imediata do processo que tramita contra Jair Bolsonaro perante o Supremo Tribunal Federal.

Irão Lula e as instituições brasileiras a Canossa?


Nelson Ferreira Pinto é Advogado e Licenciado em História pela UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

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