Hino em estádio faz sentido?

Uma questão que merecia ser examinada pelo pessoal que comanda o futebol brasileiro envolve a inútil execução do [...]

Uma questão que merecia ser examinada pelo pessoal que comanda o futebol brasileiro envolve a inútil execução do Hino Nacional em todos os estádios e em todos os jogos pelo país afora. Seus acordes já soam praticamente inaudíveis, abafados pelas ruidosas manifestações das torcidas, por seus cânticos em favor dos clubes e que fazem o hino desaparecer na multidão barulhenta e desinteressada. A tudo isso, somam-se os gritos de guerra das plateias e a algazarra geral de um público que ali está é para ver futebol e que pouco está ligando para o hino. Nem os jogadores se interessam. Em fila, fazem movimentos, olham para as torcidas barulhentas, mascam chiclete, tentam conversar.

No primeiro mundo do futebol, o Brasil certamente é o único que obriga a execução do hino antes dos jogos. Na Europa, não acontece nos campeonatos nacionais e muito menos na Champions League ou na Liga Europa. A FIFA não implantou a medida nem mesmo em seu recente Campeonato Mundial de Clubes, em junho/julho nos Estados Unidos. Ela só o faz em Copa do Mundo de seleções e mesmo assim com o tempo máximo de até 90 segundos por hino. O objetivo é preservar o aquecimento dos atletas, que entram em campo para fazer aquilo a que eles se propõem: jogar bola.

Há alguns anos, quem se intrometeu no futebol e acabou criando mais uma dessas inutilidades que políticos “inventam” para o esporte – e que não fazem o menor sentido – foi o senador (2003 a 2019) Cristovam Buarque, autor da proposta de lei de obrigatoriedade de execução do Hino Nacional nos estádios e em todos os eventos esportivos. A surpresa por ter sido Buarque o autor da lei é que ele sempre foi um liberal, da linha progressista, pensador moderno, engenheiro, ex-reitor da Universidade de Brasília, autor de 33 livros. Seu projeto de 2009 virou Lei em 2016, assinada pelo presidente Michel Temer. Uma imposição que faz lembrar os tempos da ditadura militar.

Já imaginaram se o senador tivesse ampliado sua alegoria patriótica e fizesse com que a lei – além dos estádios – atingisse a todos os espetáculos que se organizassem no Brasil? Imaginem no Rock in Rio os fãs do heavy metal parando a barulhada para execução do hino. Ou o sambódromo, exultante na magia carnavalesca, tendo de parar tudo para se tocar o hino. Já imaginaram em grande teatro, na encenação de uma ópera (Carmen, Aída, Rigoletto, La Traviata), tivéssemos sopranos, contraltos, tenores, barítonos, baixos, orquestra, maestro, plateia, todos perfilados à espera do hino? Não fez sentido.

Duvido que Buarque, ao projetar a lei, tenha ouvido preparadores físicos, médicos, fisiologistas, treinadores e atletas de clubes, dos quais ficaria sabendo que os minutos usados para o hino ou qualquer outra solenidade antes de jogos (atletas perfilados sob frio intenso, chuvas, ventos gelados, climas variados) são prejudiciais a um jogador que foi preparado e aquecido para entrar logo em jogo.

O renomado fisiologista Thiago Santi, PhD em Educação Física e à época trabalhando no Palmeiras, se posicionou contra a Lei do senador Buarque, apontando, entre outras, razões climáticas das diferentes regiões do país, preocupado quanto a possíveis lesões musculares em atletas: “O ideal é que o intervalo entre o final do aquecimento e o início de um jogo seja o menor possível. Quanto menor o intervalo pré-jogo, menor o tempo de perda de calor do atleta para o ambiente externo”, disse.

Thiago citou outro exemplo: “Em um jogo em julho, às 21h, no Rio de Janeiro, temperatura média de 21 graus, a temperatura corporal do jogador vai ser mantida, mas por exemplo em Curitiba, a oito, 10 graus, o risco de lesão é perigoso em relação à demora entre o pré-jogo e o início da partida”.

Agora que o inútil projeto criado pelo senador Buarque já não faz mais sentido nos estádios, seria interessante a CBF procurar os parlamentares da “Bancada da Bola”, em Brasília, para tentar acabar com a tal lei e assim fazer o futebol brasileiro acompanhar o primeiro mundo do futebol tocando menos hino e jogando mais bola.

Erasmo Angelo é Jornalista, formado em História e Geografia pela PUC/MG. Foi Redator e Colunista do Jornal Estado de Minas dos Diários Associados, e do Jornal dos Sports/Edição MG, cobrindo o futebol e esportes no Brasil e no Exterior, em Campeonatos Mundiais de Futebol e em Olimpíadas. Atuou destacadamente na TV e na Rádio, na TV Itacolomi, TV Alterosa, Rádio Itatiaia, Rádio Guarani e Rádio Mineira. Foi Presidente da ADEMG – Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais, na administração do Mineirão e do Mineirinho. Foi Editor da Revista do Cruzeiro. Autor