Guernica – o Sobrevivente

Em 26/04/1937, uma cidade na Espanha foi destruída pela Kondor Legion de Sperrle e von Thoma, um batalhão [...]

Em 26/04/1937, uma cidade na Espanha foi destruída pela Kondor Legion de Sperrle e von Thoma, um batalhão nazista, composto de alguns milhares de homens de infantaria, artilharia e uma divisão completa da Luftwaffe. Picasso retratou o horror da guerra em seu quadro Guernica.

O senhor bondoso e gentil bombardeou Guernica. Sim, foi agente de um fato histórico que nunca será esquecido. Seu nome, Heinrich Matthias Kruchem, tinha 19 anos naquele dia e contou-me a História, aquela grande, com H maiúsculo, descrita por quem participou do fato.

Mathias foi piloto de um Henkel 111 e derramou várias bombas sobre a cidade. Em 1991 eu e minha família fomos morar um par de meses em Osterwald, norte da Alemanha, tendo o Matthias como vizinho Ele se apaixonou pelos meus filhos, 4 e 2 anos na época e, em sendo verão, escurecia por volta de dez e meia da noite, então ficávamos conversando, tomando Weizenbier ou um Trollinger mit Lemberger até tarde. Ele falava bastante de suas pinturas e de uma técnica desenvolvida por ele, a de Drei D. Pintou, inclusive, um quadro em homenagem a nós e ao Brasil, Regenwald, terminado em 8 de junho de 1991. Além disso, anteriormente, ele publicou uma pesquisa, trabalho de mais de dez anos, Die Brueke der Erbsaelzer, livro publicado em 1975, o que o levou a ser condecorado pela cidade por ter conseguido recuperar os elementos visuais necessários do ex-libris da cidade, destruído durante a guerra. A reconstrução só pôde ser feita com base nos documentos, pinturas e fotos conseguidas por ele. Desenvolveu vários outros estudos em diversos pontos da Alemanha, buscando informações sobre monumentos e construções destruídas durante a guerra.

Um certo dia ele começou a contar a sua história. Os detalhes pessoais, por respeito a ele e sua família, não serão detalhados, mas disse que Hitler e o partido Nacional Socialista eram deuses na terra para a grande maioria da população alemã. O nacionalismo exacerbado e o militarismo, a volta da Alemanha ao seu lugar de destaque mundial, o imperialismo, tudo isso era parte da educação e da própria psiquê do povo.

Abaixo, os relatos que ele me fez, sem qualquer alteração no roteiro ou sentido.

Foi convocado para a Luftwaffe em 1934, já tinha experiência com aviões e foi treinado como caçador, piloto de Henkel e Dornier e, por sua capacidade, destacado para a Legião Condor e enviado para a Espanha.

Segundo ele, Matthias, fizeram dezenas de incursões e bombardeios, mas sempre disseram a todos pilotos ser alvos militares, Guernica, inclusive, Contava que a relação com o povo espanhol era muito amistosa pois as garotas, principalmente, tinham muito interesse pelos aviadores, devido ao uniforme, juventude e porte físico. Sua namorada era uma mourisca belíssima, segundo ele, mas nunca disse nada além disso.

Em 24 de abril, o comandante Sperrle passou as ordens para atacar Guernica. O esquadrão partiu no dia 26 pela manhã, bem cedo, em quatro grupos de mais ou menos 10 aviões, separados, todos com bombas pequenas, incendiárias e as instruções eram jogar uma de cada vez, a cada dois ou três minutos, para elevar ao máximo o potencial destrutivo. Ficaram duas horas em missão e voltaram. Não houve qualquer tipo de retaliação, defesa ou contra ataque, destruíram a cidade sem qualquer dificuldade.

Neste ponto perguntei a ele se não estranhou um alvo militar não ripostar. Respondeu que cumpriam as ordens sem pensar, era assim que funcionava sua mente naquela época. Voltaram à base e, apesar das notícias, boatos, rumores, de ter sido a primeira população civil desarmada a ser atacada por bombardeios, ficaram em paz, com a certeza do dever cumprido, foi uma missão dada e realizada.

Fizeram mais algumas missões e após a vitória de Franco retornaram em triunfo à Alemanha. Foi transferido, então para a defesa interna e fez missões de reconhecimento ou defesa de fronteiras contra ataques inimigos até o final da guerra, quando participa de mais um fato histórico gigante e quase desconhecido: os pilotos suicidas da Luftwaffe, esquadrão Elbe, em 07 de abril de 1945 na batalha de Berlin, sua primeira e última missão.

Não falou muito sobre essa missão, disse apenas que os chefes treinaram os pilotos para jogarem seus aviões contra aviões inimigos e que Berlin estava sendo destruída tanto pelos russos e americanos em terra quanto pela RAF, pelo ar. Porém as ordens eram lutar até o último homem, esquecendo os civis. Foi o único momento em que o vi chorar, muito discretamente.

Terminou seu relato dizendo que a Alemanha comum não fazia ideia da realidade, as informações só chegaram a ele e seus pares depois da rendição. Com um olhar de tristeza infinita falou, “só a pintura e a pesquisa histórica mantiveram minha sanidade, a grande maioria de meus amigos e colegas da Luftwaffe teve problemas mentais, depressão, principalmente. Muitos se mataram”.

Levantou-se, pediu desculpas em nome da Alemanha, de uma maneira extremamente formal e foi para casa.

Heinrich Matthias Kruchem morreu em 1995.


Renato Cot, Pós-Graduado em Aprovisionamento e Finanças, Fachhochschule Hildesheim/Holzminden/Göttingen. Polímata. Redator da Segunda Mau Umorada