
Quando a noite estava fria e eu sentia os primeiros sinais de desconforto, devido ao vento que entrava pela janela, nem propriamente acordava e já percebia leves passos, o ruído da janela se fechando e então um anjo me cobria.
E eram essas mãos, nas noites de verão, que me levantavam suavemente do travesseiro e trocavam-me a blusa de pijama, constantemente encharcada de suor.
Na praça da cidadezinha do interior de Minas, aquelas mãos me levavam a passear e a ver o coreto, as flores, a estação da estrada de ferro, em frente, o trem chegando.
Depois do almoço, na cadeira de balanço, era o tempo de acalento em que aquelas mãos ninavam a criança para o repouso da tarde.
Mão de carinho, mãos de conforto, mãos de aflição. Nos acidentes da infância, vários, mãos que erguiam a criança e a transportavam para o consultório médico. Mãos ansiosas, tensas e, depois de tudo resolvido, mãos aliviadas, alegres, mãos amigas. No consultório do dentista, lembrança forte, mão que apertava, firme, a mãozinha da criança e imprimia confiança, força, presença solidária.
Mão que empunhava a caneta. No escritório admirado, espaço sagrado da casa, de não se fazer barulho, de se viajar pelas estantes descobrindo títulos de livros, encadernações fascinantes, um mundo à parte. Mão que absolvia e condenava. Mão responsável, digna, solitária. Mão de juiz.
Mão que acenava, triste, na partida do trem ou que era procurada ansiosamente entre outras, enquanto se ouviam o apito e o sino do trem chegando – que saudade! – depois das férias.
Mãos entre lágrimas. Raras mãos que castigavam, sentidas vezes, magoadas vezes, muitas delas não entendidas. No entanto, mãos sobre o ombro, mão companheira, indispensável, conselheira.
Mão fechada da mesada, entreaberta do jeitinho, mão temerosa no provento modesto, mas pródiga, infalível, no sustento.
Mão que acena, mão que afaga, mão que paga, mão que presenteia, mão que dá força, mão que dá e pouco recebe. Mão que planta, aduba e faz crescer. Mão de alguém tão próximo, constante e indispensável que Deus para facilitar a forma de chamá-lo inspirou o homem a dar-lhe este nome: Pai.
Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.