Escola é mercadoria? (por Otávio Werneck)

O grupo que criou a Associação de Ex-Alunos da Escola Estadual Governador Milton Campos, o antigo Estadual Central, nasceu da união de cinco ex-alunos e uma professora, todos com mais de 75 anos. [...]


O grupo que criou a Associação de Ex-Alunos da Escola Estadual Governador Milton Campos, o antigo Estadual Central, nasceu da união de cinco ex-alunos e uma professora, todos com mais de 75 anos. Sentíamos que acumulamos conhecimento ao longo da vida, carregávamos uma dívida de gratidão por termos estudado em um colégio público e tínhamos grande vontade de resgatar o prestígio que essa escola possuía em nosso tempo.

A ideia ganhou força diante da excelente receptividade entre contemporâneos com quem conversamos. De imediato, começaram a surgir histórias, lembranças de colegas e professores. As conversas nas redes sociais se tornaram intermináveis, os relatos fluindo como uma cascata. Compartilhamos com eles os encontros que vínhamos realizando com representantes da Superintendência Estadual de Ensino, a diretoria, professores e alunos da Escola Estadual Governador Milton Campos.

Para atingir nosso objetivo, temos convidado sistematicamente esses amigos a retornar ao colégio, participar de reuniões, festas e eventos, ou simplesmente conversar com alunos e professores. São oportunidades para compartilhar experiências e memórias. Considerando o grande número de ex-alunos e amigos, acreditamos que seria possível criar um grande e diverso “cardápio” de temas, que poderiam ser transformados em aulas, palestras ou rodas de conversa. A experiência dos encontros já realizados mostra que o entusiasmo de alunos e professores cresce a cada dia, a ponto de eles próprios começarem a demandar novas atividades.

Infelizmente, nem todos aceitaram os convites. Logo percebi que, para muitos, existe uma distância considerável entre falar sobre o passado e participar das atividades atuais. Não fiquei decepcionado, mas senti tristeza por não perceberem a satisfação que esses contatos podem proporcionar.

A direção da Escola constatou que nossa presença constante tem contribuído para fortalecer o protagonismo de professores e alunos. Aos poucos, os objetivos que motivaram a criação da Associação estão sendo alcançados. Nossa atuação é marcada pelo cuidado e pela atenção, sempre como apoio às iniciativas propostas por eles. É visível a crescente confiança que eles passaram a ter em suas próprias ideias e ações. Desde o início, afirmamos que não pretendíamos nem tínhamos condições de promover mudanças estruturais; nosso propósito era ajudar a Escola com as pessoas que ali estão: diretoria, professores, funcionários e alunos. Os resultados confirmam esse entendimento.

Uma das motivações para criar a Associação foi a constatação da queda sistemática da qualidade da educação pública no Brasil. Sentimos que tínhamos o dever de buscar formas de apoio da sociedade para reverter essa tendência.

É sabido que, por determinação constitucional, a educação é responsabilidade das três esferas do Estado: aos municípios cabe a educação básica, aos estados o ensino médio e à União o ensino superior. Apesar de vivermos em regime republicano há mais de 130 anos, ainda carregamos resquícios de práticas dos antigos reinados absolutistas. Talvez tenha chegado a hora de rever esse entendimento. O comportamento do cidadão médio revela uma tendência a manter distância prudente de assuntos que possam incomodar o governo de plantão. É possível — e até necessário — manter o espírito crítico, mas sem que isso seja interpretado como intromissão em assuntos do Estado. A participação efetiva da comunidade, mais do que desejável, pode significar melhorias não apenas para as escolas, mas para todas as instituições públicas e para os que se fazem presentes nesse processo.

Vivemos hoje um momento de apreensão diante da notícia de que a Escola Estadual Governador Milton Campos estaria entre os imóveis incluídos pelo governo do Estado na lista para pagamento da dívida com a União. Em minha opinião, isso não parece crível. O antigo Estadual Central é símbolo da educação em Minas Gerais, com quase 172 anos de história — sendo 70 deles nas atuais instalações. Ao longo desse tempo, suas salas de aula receberam inúmeras personalidades públicas de Minas e do Brasil: presidentes da República, governadores, prefeitos, ministros, senadores, deputados, professores, empresários, profissionais liberais, escritores, poetas, músicos, cineastas, atores, atletas, entre outros.

A questão é grave e deve ser tratada com cuidado. É fundamental entender como essa dívida, hoje praticamente impagável, foi constituída. Em artigo recente, Nestor de Oliveira apresenta razões para que o tema seja discutido sem precipitação, precedido de uma revisão dos critérios que levaram a dívida ao patamar atual. Somente após a definição do valor, deveriam ser listados os bens destinados ao pagamento. Ainda assim, reafirmo: as edificações da Escola Estadual Governador Milton Campos, pelo seu inestimável valor simbólico, não deveriam constar nessa lista. A importância da educação para qualquer país não permite que se considere uma escola como mercadoria.

Otávio Werneck é Engenheiro Civil, ex-Aluno do Colégio Estadual e Diretor da Associação dos ex-Alunos e Amigos da EE Gov. Milton Campos

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