Elogio ao Político (II): um segundo tempo

Quando escrevi o Elogio ao Político (Capa Brasil, agosto de 2025), inspirei-me em Górgias e em seu Elogio de Helena. Defendi que a grandeza [...]

Quando escrevi o Elogio ao Político (Capa Brasil, agosto de 2025), inspirei-me em Górgias e em seu Elogio de Helena. Defendi que a grandeza do político aparece em quatro virtudes: sagacidade para transformar crises em benefícios públicos, coragem para decidir sob pressões extremas, inteligência para ler intenções e prevenir conflitos, e imaginação para projetar futuros justos.

Uma análise contrafactual pede que esse jogo retórico tenha um segundo tempo. Górgias defendeu Helena, atribuindo suas ações a forças irresistíveis — destino, coação, persuasão ou amor. Mas, ao negar sua liberdade, dissolveu também sua responsabilidade. Eu, ao exaltar apenas as virtudes luminosas do político, escondi a sombra que às vezes as acompanha — e foi justamente o incômodo desse pudor que me empurrou a rever aquele artigo.

A política não é feita de purezas. Quem age nesse campo precisa lidar com ambiguidades que a ética individual muitas vezes não suporta. O homem educado para a integridade prefere calar; o político, por ousadia ou necessidade, executa. Mesmo quando necessárias, essas

sombras, presentes nos seres humanos, não podem se expandir sem fronteira: as leis, a vigilância pública e a consciência ética traçam limites que o político digno não ousa ultrapassar. Como compreender essas contradições?

Sagacidade: engenho e dissimulação

A sagacidade descobre caminhos no caos, mas também exige omitir intenções, disfarçar planos, às vezes mentir e enganar adversários. Roosevelt, ao lançar o New Deal, mostrou sagacidade, mas precisou esconder parte dos riscos e resistências para que o plano prosperasse. Não é destino inevitável, mas escolha consciente. E sua grandeza está em saber quando a dissimulação serve ao bem coletivo e quando se torna apenas oportunismo.

Coragem: firmeza e traição

Decidir sob fogo cruzado é virtude rara. Mas frequentemente implica romper alianças, trair compromissos, suportar a mágoa de aliados. Charles de Gaulle fez isso em 1940, ao recusar a submissão da França ao regime de Vichy: abandonou a legalidade vigente e foi tachado de desertor. Sua coragem, porém, estava em trair um governo para manter viva a dignidade futura da França. A responsabilidade moral não desaparece — ao contrário, é o que dá sentido a esse ato.

Inteligência estratégica: previsão e manipulação

A inteligência política prevê conflitos, mas também manipula símbolos e emoções. Churchill dominava essa arte: antecipou a ameaça nazista, mas também manipulou a opinião pública com discursos inflamados e narrativas seletivas. O político digno, porém, não esquece que lida com cidadãos livres, capazes de discernimento. Sua responsabilidade é usar a manipulação como instrumento provisório, não como vício permanente.

Imaginação ética: profecia e ilusão

Projetar futuros é virtude suprema. Mas não há profecia sem risco de ilusão. Getúlio Vargas soube imaginar um Brasil com direitos trabalhistas e previdência social, mas também sustentou ilusões populistas que excediam o possível. Toda promessa contém uma dose de exagero, de horizonte inalcançável. O político precisa ousar prometê-la e, ao mesmo tempo, responder por ter acendido esperanças. A imaginação ética só é nobre quando convoca à liberdade de julgar e cobrar, e não à passividade crédula.

A síntese: liberdade na sombra

O elogio ao político só é completo quando reconhece sua contradição.

– A sagacidade traz consigo a dissimulação.

– A coragem pode carregar a traição.

– A inteligência arrisca a manipulação.

– A imaginação toca a ilusão.

São virtudes “sujas”, mas também motores dos empreendimentos coletivos. Diferente de Górgias, aqui o político não é absolvido por ser prisioneiro das circunstâncias. Ele é livre — e é justamente essa liberdade que o obriga a decidir, assumir e responder.

Talvez seja esse o destino paradoxal da política: fazer o que ninguém ousa, carregar culpas que ninguém quer, e ainda assim manter viva a possibilidade de transformação coletiva.

Mas aqui convém uma pausa, que pede reflexão além da pressa. É quando nós entramos em cena, você e eu, caro leitor. É a nossa confiança que escolhe e que dá ou retira legitimidade ao político. Sem a nossa confiança, que envolve emoção e verdade, nenhuma sagacidade convence, nenhuma coragem se sustenta, nenhuma inteligência ilumina, nenhuma imaginação mobiliza.

Devemos examinar bem os critérios do nosso julgamento: esse elogio só faz sentido quando as virtudes — com suas sombras inevitáveis — se orientam para o bem coletivo, não para a causa própria; quando se apoiam na responsabilidade, não na mentira crônica; e quando buscam ampliar a vida, não alimentar o ódio.

Entre a sombra e a luz, o elogio ao político está também em como nós os vemos, em como nós os escolhemos, em como nós os cobramos. É nessa troca — cheia de riscos e de esperanças — que a política continua a caminhar.

* A versão final deste artigo contou com apoio do ChatGPT (OpenAI).



Elson Luiz de Almeida Pimentel
Mestre em Filosofia pela UFMG
Autor de Dilema do Prisioneiro: da Teoria dos Jogos à Ética