Elogio ao Político: as virtudes invisíveis

Um exercício retórico à maneira de Górgias – não para absolver erros, mas para iluminar qualidades raras. [...]

Um exercício retórico à maneira de Górgias – não para absolver erros, mas para iluminar qualidades raras.

Quando Górgias defendeu Helena de Tróia em seu Elogio (Dinucci, revista Ethica, 2009), usou quatro argumentos: ela teria agido ou por vontade divina, ou coagida por força bruta, ou persuadida por palavras, ou por amor. Não era uma absolvição, mas um jogo retórico sobre como forças maiores podem definir ações humanas.

Façamos aqui algo similar – e tão inesperado – com o político. Não para ignorar seus erros, reais e frequentes, mas para reconhecer qualidades que, se direcionadas ao bem coletivo, elevam a política acima do lugar comum. Buscamos nos mestres do pensamento humano virtudes dignas de elogios: sagacidade, coragem, inteligência estratégica e imaginação ética. Nossa escolha poderia ser outra, mas a pretensão é a mesma: fazer pensar.

1. SAGACIDADE: A ARTE DE CRIAR OPORTUNIDADES NO CAOS

Inspirando-se em Sun Tzu (A Arte da Guerra), pode-se dizer que a suprema arte da política é transformar crises em benefícios públicos.

Enquanto Górgias falava de Helena conduzida pelos deuses, o político sagaz lê cenários complexos e abre caminhos onde outros só veem becos.

– Exemplo: durante a pandemia, prefeitos que adaptaram rapidamente feiras livres e mercados para sistemas de entrega e drive-thru, evitando colapso econômico de pequenos produtores.

– Por que elogiar? Porque exige discernimento e visão de impacto coletivo.

Sagacidade não é mera esperteza: só é virtude quando serve à comunidade.

2. CORAGEM: DECIDIR SOB FOGO CRUZADO

Parafraseando Maquiavel (O Príncipe), coragem política não é ausência de medo, mas a lucidez de escolher o “menos pior” quando todas as opções parecem ruins.

Se Helena foi vítima da força bruta, o político enfrenta sequestros pela urgência. Seu valor está em decidir sob pressão extrema – sem perder o norte do interesse público.

– Exemplo: durante a pandemia, alguns governantes, sob forte pressão econômica, mantiveram medidas de isolamento para proteger vidas, mesmo com impopularidade imediata.

– Por que elogiar? Porque demanda audácia calculada e foco no bem comum.

Decisões difíceis não são inerentemente nobres: só o são quando protegem os mais vulneráveis.

3. INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA: LER A PALAVRA DO OUTRO

Thomas Schelling (The Strategy of Conflict): grandes politicos percebem tensões latentes antes que explodam.

Górgias absolveria Helena se palavras a tivessem enganado. O político virtuoso, porém, usa sua perspicácia para decifrar intenções, agir e prevenir danos.

– Exemplo: A virtude da inteligência estratégica aparece quando lideranças políticas e diplomáticas interpretam narrativas e sinais antecipados, estruturando respostas antes que a situação saia do controle.

– Por que elogiar? Porque exige percepção aguda das intenções e busca de equilíbrio.

Inteligência estratégica não é manipulação: é instrumento de paz quando transparente.

4. IMAGINAÇÃO ÉTICA: INVENTAR FUTUROS POSSÍVEIS

Amartya Sen (A Ideia de Justiça) lembra que política é criar rotas de justiça onde só havia abismos.

Se Helena seguiu o amor, o político de qualidade é movido por amor à justiça futura. Sua excelência está em criar possibilidades inéditas para a dignidade humana.

– Exemplo: Projetos de economia circular ganharam força durante e após a pandemia. Cooperativas de catadores foram integradas a programas de reciclagem de resíduos sólidos, garantindo renda em plena crise. E tramitam propostas que articulam sustentabilidade, inclusão social e inovação tecnológica.

– Por que elogiar? Porque requer imaginação ética e compromisso com o bem maior.

Os futuros inéditos só são virtuosos quando expandem liberdades reais, não poder pessoal.

CONCLUSÃO: UM ELOGIO CONDICIONAL, MAS NECESSÁRIO

Górgias encerrou seu Elogio de Helena lembrando que o texto era “um jogo”. Este também é um exercício de provocação da inteligência. Em tempos de cinismo político, precisamos recordar que a ação pública pode ser nobre, quando guiada pelo bem comum.

O político ideal não é santo nem herói. É quem desenvolve, por talento ou esforço, capacidades raras:

1- Sagacidade para descobrir oportunidades no caos,

2- Coragem para decidir sob extrema pressão sem trair o coletivo,

3- Inteligência para perceber as intenções e prevenir conflitos,

4- Imaginação ética para inventar futuros mais justos.

Essas virtudes (certamente, há outras!) não apagam erros. Mas, quando servem ao interesse de todos, lembram que, por trás da caricatura do “político corrupto” existem pessoas capazes de gestos de excelência cívica. E isso merece reconhecimento.



Elson Luiz de Almeida Pimentel
Mestre em Filosofia pela UFMG
Autor de Dilema do Prisioneiro: da Teoria dos Jogos à Ética


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