E lá se foi Lô (por Romero Carvalho)

É difícil encontrar palavras para a despedida de Lô Borges, aquele que, do meu bairro em Belo Horizonte, [...]

*Nota da Redação: morre Lô Borges, fundador do Clube da Esquina, 14 discos, que encantaram o nosso país e os nossos corações.

“Você pega o trem azul, o Sol na cabeça

O Sol pega o trem azul, você na cabeça

Um Sol na cabeça”

Lô Borges

É difícil encontrar palavras para a despedida de Lô Borges, aquele que, do meu bairro em Belo Horizonte, Santa Tereza, aprendeu a desenhar acordes e harmonias que mesmerizaram até Tom Jobim. Sua ligação com Bituca fez da canção epistolar para Lennon e McCartney uma parceria de alma, de um clube da esquina – real e onírico – para o planeta, no disco atualmente mais aclamado entre os já feitos neste país de álbuns antológicos. Lô mantinha uma aura juvenil e uma produção musical impressionante, que o fazia ser da mesma geração genial dos anos 1970, mas sempre contemporâneo, seja de Lobão e Gessinger, Samuel e Nando, Zeca Baleiro e Lenine, Zé Ibarra e Tim Bernardes. Todos reverentes a ele, mas sem colocá-lo em um patamar deificado e inatingível.

Em suas harmonias e parcerias com letristas brilhantes, brotavam girassóis surrealistas, em terras e vestidos azuis, janelas que viam igrejas enquanto ele falava de cores mórbidas e homens sórdidos, temporais, ventos de maio, noites equatoriais. Com sol e chuva, o sonho de um trem azul, que era saudade e instante simultâneos. Cabia tudo em seu repertório, tão sem rótulo que já vi chamarem de “música mineira”. E o que seria isso?

Agora que Lô se foi, fica esse rastro de luz e contracorrente. “E lá se vai mais um dia” num rio de asfalto e gente. Porque ele foi, ao mesmo tempo, ancoragem e vento. Foi o jovem de Minas que ousou olhar para fora e para dentro. Foi autoral sem se isolar; em harmonias que fazem qualquer banda inglesa ficar com inveja, mas sem querer soar complexo. “Tudo que você podia ser”.

O olhar para ele e sua obra, da qual eu seguro na foto apenas um fragmento dos primórdios, é o da inquietude eternizada.

Obrigado, Lô, por esta luz sonora na qual a juventude e a experiência se encontraram. O mundo ficou diferente — mais íntimo, mais vasto — porque você decidiu nos presentear com sua arte, que era Beatles, Jobim, Neil Young, Tiso, Bituca, Borges. No silêncio depois da última nota, a gente percebe que o trem azul nunca parou. Ele apenas seguiu viagem, levando o menino de Santa Tereza para um lugar onde o tempo também canta.

Romero Carvalho é Jornalista e Doutor em Ciência da Religião pela PUC/Minas

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