
São Paulo e Minas Gerais são dois retratos distintos de como a história econômica molda a vida social.
Em São Paulo, a virada do café para a indústria não foi só uma troca de motor econômico: foi uma reorganização profunda do topo da sociedade. A industrialização paulista, ao se apoiar em um mercado urbano amplo, em inúmeras iniciativas empresariais e em um ambiente de competição contínua, acabou sendo mais “democrática” na distribuição dos frutos do crescimento. Não no sentido de igualdade plena, na qual São Paulo sempre foi desigual, mas no sentido de que a riqueza industrial se espalhou por muito mais mãos. Daí nasceu uma classe média numerosa, forte, relativamente próspera e capaz de disputar espaços: técnicos, comerciantes, industriais médios, profissões liberais, novos empreendedores.
Esse caldo social criou uma elite dominante muito mais fluida: as famílias que mandavam em São Paulo há 130 anos perderam centralidade, substituídas sucessivamente por gente nova, legitimada pelo trabalho, pelo risco e pelo resultado. Hoje, a lógica paulista torna praticamente impossível a convivência com uma casta hereditária de poder; o próprio dinamismo econômico e urbano expulsa a permanência sem renovação.
Minas Gerais seguiu outra trilha. A modernização econômica mineira veio fortemente associada a grandes empreendimentos, como mineração, siderurgia, energia, e infraestrutura; e a corporações com capital difuso, muitas vezes externo ao tecido social local. Esse tipo de industrialização não fabricou uma burguesia regional visível e substituta, nem gerou uma classe média tão robusta capaz de reordenar a hierarquia política. Ao contrário: quem comandava Minas politicamente continuou comandando. Em linhas gerais, as mesmas poucas famílias que orbitam o mando estadual há mais de um século mantiveram o centro do poder, mesmo quando a economia mudou de base.
E a industrialização mineira, além de “impessoal”, foi menos democrática na distribuição: concentrou capital, concentrou riqueza, reforçando o peso das redes tradicionais. A nova onda corporativa criou riqueza enorme, sim, mas não a espalhou socialmente com a mesma força. Em vez de reduzir distâncias, ela aprofundou o fosso: a elite política e econômica permaneceu no alto, mais apartada do restante da população, como se o desenvolvimento acontecesse ao lado da sociedade, e não a atravessando.
Sao Paulo tem uma grande fluidez social, já em Minas Gerais a fluidez social é muito rígida, que se assemelha a uma sociedade de castas.
Em São Paulo, o vencedor tende a ser absorvido pela elite dominante porque a vitória tem valor em si: ela vira prestígio, lugar e pertencimento. A sociedade pergunta “o que você faz?”, e a resposta pode reescrever o seu destino.
Em Minas, o vencedor pode conquistar dinheiro, reconhecimento profissional, e projeção; e ainda assim esbarrar num teto invisível quando tenta entrar no círculo que manda. Ali, a pergunta implícita continua sendo “de que família você é?”, porque o pertencimento histórico segue como senha para o topo do poder.
No fim, são duas virtudes e dois custos. São Paulo brilha pela energia do movimento: uma sociedade que renova elites, amplia a classe média e permite ascensão pelo desempenho. Minas brilha pela densidade dos vínculos: tradição, memória, e lealdade, com redes de confiança profundas, mas com uma estrutura mais rígida, onde o poder e a riqueza se concentraram de forma menos distributiva.
Um estado se reorganiza pelo seu futuro e pelo mérito competitivo; o outro conserva o comando histórico e deixa a modernização econômica correr em paralelo, sem democratizar plenamente seus frutos. E é dessa diferença de origem, da industrialização distributiva versus industrialização concentradora, que nasce uma das distâncias sociais mais fortes entre os dois estados até hoje.
Roberto Rodrigues é Empresário. Formado em Economia pela PUC/RJ, com Pós-graduação em Finanças pelo IBMEC.



