
É comum qualificar como democracia locais onde há eleições regulares. Embora necessária, esta característica não é suficiente. Ser uma democracia exige bem mais. Além de independência e equilíbrio entre poderes, carece de outros atributos.
Na China, tida como exemplo de ditadura para a maioria dos ocidentais, há eleições regulares com o voto direto da população para o legislativo local a cada cinco anos, para distritos e condados, e a cada três para aldeias e comunidades, rurais e urbanas. Como disse Ulisses Guimarães, as pessoas vivem nos municípios. Donde a democracia no espaço local é essencial.
Para caracterizar uma democracia, importantíssimo saber quantas pessoas são eleitas para tratar da coisa pública. Aqui no Brasil elegemos 70.000 indivíduos para cuidar dos assuntos públicos, de vereador a presidente. Nos EUA, são cerca de 500.000 eleitos; na França, 535.000. O déficit de representação – e, portanto, de democracia – no Brasil fica ainda mais espantoso quando se compara os nossos 70.000 “gestores” com os 2,5 milhões de eleitos na China. Claro, nesses outros países os eleitos não são remunerados nem desperdiçam dinheiro do povo como aqui; caso o fizessem estariam quebrados e sem rumo! Como aqui!
Comparativamente às respectivas populações, cada eleito, no Brasil, diz representar 2.870 pessoas, o que é falso em razão das enormes diferenças de renda, etnia, escolaridade e probidade, além de outros fatores, entre eles e o conjunto da população; nos EUA, aproximadamente 680; na França, 126; na China, a cada 520 habitantes há um eleito para cuidar da “coisa pública”. Onde está o déficit de democracia?
Outro aspecto de enorme importância é o tamanho dos territórios administrados pelos governos locais, cujos poderes diferem entre países. Apesar das peculiaridades, todos os governos locais têm de cuidar das ruas, dos resíduos, da iluminação pública, organizar a ocupação do espaço, evitar ocupações ilegais, consertar os buracos das ruas etc. Como bem realizar essas tarefas quando se tem municípios bem maiores que países? Aqui temos um município cujo território é maior que a Inglaterra! E governos regionais? Compare-se nossos 27 estados, inclusive o DF, aos 26 cantões que exercem o governo regional na Suíça, e 18 na França! Repito: onde está o déficit de democracia?
No Brasil temos 5.568 unidades de governo local, a maioria das quais tem território, por um lado, maior que a capacidade de gestão dos assuntos “locais”, e por outro, maior que a possibilidade de fiscalização dos gestores por parte dos eleitores; nos EUA há mais de 80.000 unidades com governos eleitos; na França são 35.000; na Suíça, 2.100; na China, são 760.000; na Rússia, cerca de 20.000! Sem dúvida, os mecanismos para financiar tantas unidades de governos locais diferem dos brasileiros. Fossem similares, todos aqueles países estariam quebrados e mal administrados. Como aqui!
Tema complicado para nós, brasileiros. Dado o fosso de representatividade existente, que permite aos eleitos cuidarem dos seus interesses, e não dos da população, multiplicar o número de municípios seria acelerar nossa caminhada rumo ao caos. Alterar a maneira como os políticos são escolhidos e remunerados, embora difícil, é essencial para instalarmos uma verdadeira democracia no Brasil, que é a maneira mais rápida de assegurar melhorias contínuas na qualidade de vida da população.
Eduardo Fernandez Silva é Mestre em Economia pelo Institute for Social Studies da Universidade de Hague. Foi Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Autor.