
Eles chegam de mansinho, são trabalhadores com suas famílias, mulheres, crianças e velhos. Colocam-se diante dos peões: param as foices, serras e machados. Empacam frente aos jagunços: as armas voltam para os cintos. É quando a situação se inverte. Saem peões e jagunços; ficam os seringueiros com seus velhos, mulheres e crianças. É o “empate”, jogo duro que os seringueiros criaram para evitar a transformação de seringais em campos de criação de gado. O ano é 1988. Já houve 45 “empates” e 15 expulsões de predadores. Só em Xapuri, Frente Verde da Amazônia, já se evitou a derrubada de 50 hectares de selva, mata virgem, viva, boa, produtiva. Mas quando as famílias se vão deixando o espaço live para o trabalho dos seus arrimos, fica no ar o que não levaram: o ódio dos predadores frustrados.
O ódio, na Amazônia, tem como suas armas mestras a intimidação e o pânico. O gatilho é a ganância. E nesse apertar de dedos mais de mil crimes foram cometidos. Entre as vítimas, contam-se padres, freiras, jornalistas, agentes públicos, sindicalistas e ativistas ambientais. Francisco Mendes Alves Filho, o Chico Mendes, foi um deles. Deteve-o um tiro de escopeta no peito, disparado à noite; estava da porta da cozinha de sua casa.
Chico Mendes estava marcado parda morrer. O governador sabia, ministros sabiam, a polícia federal sabia. Um pouquinho antes de ser morto -eram 17 horas- foi ao hospital de Xapuri. Recebeu da diretora, irmã Zélia, amostras grátis de remédios para os seringueiros.
− Vou morrer, irmã Zélia, ele disse. − Até o dia 31 vou morrer!
O Instituto de Estudos Amazônicos já tinha dito isso ao ministro da Justiça, o governador do Acre pôs dois soldados da Polícia Militar nos seus calcanhares: não adiantou. Um tiro de escopeta, dois PMs aturdidos na escuridão do quintal, dois vultos escapando, um acampamento com roupas, alimentos e água, a poucos metros no mato, foi descoberto depois.
Chico Mendes foi-se, com sua medalha da Sociedade Para Um Mundo Melhor que lhe entregaram em Nova York, e não se sabe o que fizeram a viúva e os filhos com o Prêmio Global, da ONU, por serviços prestados à humanidade. Foi também reconhecido e admirado pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, pelas suas ideias que proporcionaram uma linha de projetos para a exploração econômica da Amazônia de forma racional e respeitando a ecologia.
Xapuri, Marabé, Xinguara, Imperatriz, Araguaína: Amazônia Legal, irônica denominação para a fronteira do crime e da impunidade. Para o Acre, o mesmo destino de Rondônia, com a destruição das florestas. Chico Mendes foi assassinado porque entendia que “floresta tem um destino mais inteligente do que virar pasto”. Quando o balaço do calibre 12 o derrubou, lançaram-se sobre ele Ilzamar, sua mulher, Andino de três anos e Elenira, de seis anos, seus filhos. Cumpria-se o vaticínio revelado a irmã Zélia. Chico Mendes não viu chegar o dia 31 de dezembro de 1988.
No momento em que esta crônica é postada, encontra-se reunida em Belém a Cúpula de Lideres sobre o Clima, integrada por presidentes, primeiros ministros e representantes de organismos internacionais. A conservação das florestas e da biodiversidade será um tema sempre presente neste encontro de abertura e durante todos os debates da COP30-Conferência das Partes da ONU dobre mudanças climáticas que se estenderá entre os dias 10 e 21 de novembro. Serão momentos em que aqueles que acompanham a saga da Amazônia haverão de se lembrar da figura extraordinária de Chico Mendes e do sentido destas suas palavras: “Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta, até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina ao contrário. Então eu quero viver.”
Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.



