Água, Energia e Desenvolvimento: Brasil e Angola na nova geopolítica hídrica global

Em 2025, o mundo assiste à consolidação da água como um dos ativos estratégicos mais valiosos do século XXI. [...]

Em 2025, o mundo assiste à consolidação da água como um dos ativos estratégicos mais valiosos do século XXI. A Organização das Nações Unidas projeta que, até 2030, a procura por água doce poderá exceder em 40% a oferta disponível. Esta escassez, agravada pelas alterações climáticas, está a reconfigurar a geopolítica global. Países com abundância de recursos hídricos e capacidade de gestão emergem como players centrais, não apenas no campo ambiental, mas também no da energia, da alimentação e da indústria. Nesse tabuleiro, o Brasil e Angola destacam-se como potências com potencial de protagonismo.

A chamada “diplomacia da água” deixa de ser um conceito teórico para se tornar prática corrente nas relações internacionais. Água, energia e alimentos formam um tripé indissociável: sem gestão hídrica não há segurança alimentar nem expansão energética sustentável. A Agência Internacional de Energia sublinha que a transição energética global dependerá cada vez mais da disponibilidade de recursos hídricos para produção hidroelétrica, mineração de minerais críticos e processos industriais de baixo carbono. 

Ao mesmo tempo, a pressão por cadeias alimentares resilientes torna a irrigação e a infraestrutura hídrica fatores-chave de atração de investimento. A disputa por acesso e gestão da água já gera tensões em regiões como o Médio Oriente e a Ásia Central, enquanto abre espaço para países abundantes nesse recurso se reposicionarem na economia mundial.

O Brasil concentra cerca de 12% da água doce superficial do planeta, um ativo estratégico que sustenta o seu papel como potência agroalimentar e energética. A matriz elétrica brasileira continua a ser uma das mais limpas do mundo: mesmo em anos de seca, como 2025, a geração hídrica respondeu por cerca de 48% do total, enquanto eólica e solar já representam mais de um terço da produção elétrica nacional. Essa diversificação reduz riscos hidrológicos e garante resiliência ao sistema. 

Mais do que um consumidor, o Brasil é exportador de know-how em engenharia hídrica, gestão de bacias e projetos agroindustriais irrigados. Empresas brasileiras já operam globalmente em consultoria, construção de barragens, irrigação e tecnologias para agronegócio. Essa experiência, combinada com proximidade cultural e linguística, posiciona o país como parceiro natural para impulsionar projetos em África.

Em África, Angola desponta como um dos países com maior potencial hidroelétrico do continente, estimado em mais de 18 GW, dos quais apenas cerca de 30% está aproveitado. Atualmente, mais de 60% da geração elétrica angolana provém de hidrelétricas. Grandes obras estão em curso, como Caculo Cabaça (2.172 MW, no rio Kwanza), que promete tornar-se uma das maiores centrais de África, e novas centrais solares complementares. 

O histórico de cooperação com o Brasil é um ativo subestimado. A OEC (antiga Odebrecht) foi responsável por alguns dos maiores projetos de infraestrutura em Angola, incluindo a construção da Hidrelétrica de Laúca (2.070 MW, a maior do país) e a modernização da Hidrelétrica de Cambambe (960 MW). Essa presença histórica mostra que a engenharia brasileira já tem provas dadas na região e pode ser mobilizada novamente, agora alinhada com uma agenda de sustentabilidade, integração regional e industrialização verde.

Para empresários e investidores, a conjunção Brasil–Angola abre frentes promissoras: 

1- Infraestrutura hídrica: projetos de barragens, irrigação, redução de perdas e gestão digital de bacias, com potencial de financiamento por multilaterais como o Banco Africano de Desenvolvimento ou o Novo Banco de Desenvolvimento (BRICS). 

2- Agroindústria sustentável: expansão de áreas irrigadas em Angola para produção de alimentos com destino ao mercado africano e europeu, aproveitando corredores logísticos lusófonos. 

3- Energia limpa e indústria verde: parcerias para produção de hidrogénio verde, fertilizantes de baixo carbono e eletrointensivos como alumínio, ancorados em contratos de fornecimento de energia hidroelétrica. 

4- Exportação de eletricidade: integração de Angola ao mercado elétrico da África Austral (SAPP), onde países vizinhos enfrentam crónicos défices energéticos. 

Não obstante, os riscos são claros. A variabilidade hidrológica exige integração de fontes solares e maior sofisticação regulatória, à semelhança da experiência brasileira. O financiamento de grandes obras ainda depende de blends entre capital público, privado e multilaterais, exigindo maior transparência contratual e segurança jurídica. Questões ambientais e sociais também são centrais: projetos hidroelétricos só ganham legitimidade se acompanhados de rigorosos protocolos ESG. 

No entanto, os exemplos recentes mostram que esses riscos podem ser mitigados. A diversificação da matriz brasileira é modelo replicável em Angola; o pipeline de projetos já atrai interesse internacional; e os marcos regulatórios estão a evoluir para dar maior previsibilidade a investidores.

A água deixou de ser apenas um recurso natural: é agora vetor de poder e de competitividade global. O Brasil, como potência hídrica consolidada, e Angola, como potência em construção, podem juntos definir uma nova diplomacia da água no Atlântico Sul.

Para os empresários brasileiros, Angola não deve ser vista apenas como mercado distante, mas como porta de entrada em África e como plataforma de internacionalização em setores estratégicos – energia limpa, agroindústria e infraestrutura hídrica. 

A questão não é se a água será central na geopolítica da próxima década, mas quem saberá transformá-la em desenvolvimento sustentável e vantagem competitiva. Brasil e Angola têm condições únicas de estar nesse grupo – desde que se preparem para liderar, e não apenas para acompanhar.


Filipe Colaço é Engenheiro Civil pela Universidade Nova de Lisboa, MBA pela Henley Business School, e Director da Consulting Services EY Angola. Tem 18 anos de experiência em companias multinacionais, como a Deloitte e Boston Consulting Group, com projetos em Energia, Agronegócios, Mineração, Construção e Sector Público