A Ilusão da Produtividade Infinita (por Daniel Branco)

A sensação de estar produzindo virou um tipo de anestesia: disfarça o cansaço e nos faz sentir úteis. [...]


A promessa sempre foi clara: a tecnologia nos daria mais tempo, seria o motor que automatizaria tarefas e libertaria as pessoas para pensar, criar e viver melhor.

Mas o que está acontecendo parece ser o oposto. Nunca tivemos tantas ferramentas para ganhar tempo, e nunca estivemos tão sem tempo.

Os smartphones nos mostraram isso em poucos anos. Trouxeram produtividade, conectividade e processadores na palma da mão. Ficamos mais rápidos, mais acessíveis, mais presentes. No papel, nossa eficiência disparou.

Mas, na prática, continuamos trabalhando mais de oito horas por dia, respondendo mensagens à noite, entregando no fim de semana. Fazemos muito mais, só que, no lugar de usar o tempo ganho para viver melhor, enchemos o tempo com mais trabalho.

Agora, com a IA, o risco se repete. A tecnologia promete aliviar o peso das tarefas, mas está apenas comprimindo o tempo. Cada ganho de produtividade parece gerar mais demanda, mais pressão e mais velocidade.

A pergunta é inevitável: Esses ganhos estão indo para onde?

Talvez para o faturamento das empresas, ou para os valuations das Big Techs que de um dia para o outro valem bilhões e depois nunca mais ouvimos falar, ou para as metas que crescem todo trimestre, ou talvez apenas para a vaidade pessoal de parecer sempre ocupado.

A sensação de estar produzindo virou um tipo de anestesia: disfarça o cansaço e nos faz sentir úteis. Só que, no fim, o tempo continua curto e a cabeça cada vez mais cheia.

E é aí que o problema se aprofunda. A mente humana não evolui na mesma velocidade dos algoritmos. O cérebro precisa de pausa. É no intervalo que a criatividade aparece, que a memória se organiza, que as ideias amadurecem. Só que o ócio virou inimigo. A pausa, desperdício. A pressa virou método.

Preenchemos todo o tempo. Cada minuto livre vira tarefa, notificação, atualização. Trocamos profundidade por movimento. A IA gera textos, imagens e relatórios, e nós apenas validamos. A velocidade virou sinônimo de valor.

Mas pensar leva tempo. Criar exige espaço. A produtividade infinita é uma ilusão, porque a mente humana não opera em modo automático.

Talvez o verdadeiro desafio não seja produzir mais, e sim aprender a parar.

Resgatar o tempo de maturar uma ideia, o tempo de não fazer nada, o tempo de estar presente.


A IA pode liberar tempo, mas o que fazemos com ele continua sendo escolha nossa.  

Estamos realmente ganhando tempo, ou apenas enchendo o tempo que ganhamos?



Daniel Branco
Economista pela UNICAMP, especializado em Marketing pela UFPR
Escreve sobre Inovação, Empreendedorismo e Impacto Social

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