
Meu pai, quando velho, um sábio formado na escola da vida, experiência e memórias, afirmava que “os homens somos capazes de nos habituar até à dor”. Ou seja, mesmo com o desconforto da dor física ou mental, os humanos toleramos assim viver e aceitar esta cruel realidade como parte de nossa existência. Não é de admirar que estejam tão cheias as clínicas de Psicologia ou Psiquiatria. Além dos sofridos e desajustados que vivem conosco no cotidiano das ruas com seus surtos ocasionais. Não vou entrar no campo de Nietsche ou Freud, que fizeram análises profundas para entenderem que a dor é um dos caminhos para a alegria ou tragédias. Fico com a lógica popular de que a dor é um dos caminhos que percorremos para nos ensinar. O outro é o amor.
Infelizmente temos encontrado mais exemplos de aprendizado pela dor que pelo amor. É o caso do aprendizado coletivo, da massa urbana, das pessoas que sofrem e se acostumam com a dor cotidiana, como por exemplo o sofrimento e o caos do transporte coletivo. Claro, vou falar mais uma vez, do absurdo diário de quem tem, e todos temos, que nos deslocar nas capitais do país. O mesmo vale para outros grandes centros metropolitanos, sem que se encontre o remédio para tamanha dor.
Escrevo para um público privilegiado, classe A, que tem inclusive o poder da alfabetização, leitor de jornal, talvez 1% da população. A maioria com carros próprios a enfrentar o trânsito louco da cidade. Não é o público que madruga, ou no início da noite, enfrenta o que só o diabo conhece para se deslocarem entre suas casas e trabalho. Frio, calor, desconforto, ameaças, empurrões, assédios e um sem fim de agressões diárias. São os fortes que resistem e procuram assim sobreviver. Só quem enfrenta as filas nos pontos de ônibus, ou metrô, controlados pela cavalaria da polícia, pode entender do que falo.
Os prefeitos das grandes cidades, nos últimos trinta anos, não se sensibilizaram para a questão do ordenamento urbano, atualização com modais de transporte e conforto de seus cidadãos eleitores. Raros são os prefeitos, e mais uma vez cito Márcio Lacerda, em Belo Horizonte, como bom e raro exemplo, que à época da Copa do Mundo, cuidou do eixo norte entre o centro e o estádio Mineirão.
Verdade que é projeto de longa maturação, no mínimo dez anos, mas precisa começar um dia. Em 2012, Berlim, na Alemanha começou a implantar seu novo sistema, privilegiando o transporte público em detrimento dos automóveis particulares, hoje é citado como exemplo. Hong Kong, uma super metrópole tem um dos melhores transportes públicos do mundo, assim como Londres, Munique, Lisboa e Amsterdã. Pensaram no futuro, passaram por desconfortos temporários, mas colhem hoje os frutos de seus investimentos. Enquanto isto, estamos, em Belo Horizonte, discutindo se podemos ou não cortar meia dúzia de árvores na Avenida Afonso Pena para reformular seu trânsito. Projetos maiores, nem pensar, seja por vereadores ou executivo.
Infelizmente faz parte da mente brasileira, especialmente de nossos gestores, pensar pequeno. Não nascem mais, por aqui, outros JKs.
Nestor de Oliveira é Jornalista e Escritor



