
Há um padrão curioso nos mercados.
Quando os especialistas começam a dizer que “não é bolha”, que “é diferente desta vez”, que “os fundamentos justificam”, que “o futuro será tão extraordinário que qualquer preço é barato”, geralmente é a hora em que eu, pessoalmente, começo a procurar a trilha mais para as montanhas.
Nos últimos meses, surgiram dois movimentos simultâneos:
Um boom de investimentos bilionários e um coro crescente de gente tentando tranquilizar quem ainda tem algum senso crítico.
Jeff Bezos diz que, mesmo se for bolha, é uma “bolha boa”: depois que tudo estourar, sobrará infraestrutura para a sociedade. Será que ele diz isso quando busca investidor?
O UBS crava que não há qualquer semelhança com a bolha das ponto.com, porque “dessa vez as empresas dão lucro”.
Todas versões modernas daquele velho mantra que Minsky já explicava:
“O maior estágio de euforia de uma bolha é quando o mercado tenta convencer a si mesmo de que a bolha não existe.”
Mas vamos aos números.
O investimento global em IA deve passar de US$ 1,5 trilhão este ano.
Enquanto isso, o retorno real continua modesto, disperso, nebuloso.
É o maior boom de CAPEX da história recente, e como todo boom, depende de um futuro perfeito que talvez nunca chegue.
A OpenAI, símbolo da revolução, aparece no meio desse cenário como o melhor termômetro do problema.
Segundo o HSBC, a empresa só deve atingir lucratividade depois de 2030 e precisará levantar US$ 207 bilhões até lá.
De repente, a maior promessa da tecnologia moderna é também um imenso buraco negro de capital.
E isso muda o humor do mercado.
A “criança de ouro” vira motivo de preocupação.
A promessa vira um talvez. O talvez vira um risco.
Mas a parte mais interessante está em outra camada, menos comentada:
O Financiamento Circular.
A Nvidia investe em startups que, adivinhe, usam esse dinheiro para comprar chips da Nvidia.
A receita sobe. A demanda sobe.
A ação sobe. O valuation explode.
É como se o vendedor de pás estivesse financiando garimpeiros apenas para garantir que continuem comprando pás.
E isso, convenhamos, nunca termina bem.
Aliás, falando em pás: o paralelo com a Cisco dos anos 2000 é inevitável.
Naquela época, era a empresa mais valiosa do mundo, vendendo a infraestrutura da nova era digital. Real, sólida, lucrativa.
E mesmo assim, quando a bolha estourou, sua ação levou 20 anos para voltar ao topo.
A lógica não mudou:
a venda de pás só faz sentido enquanto há ouro suficiente para justificar a mineração.
E hoje?
A IA está exigindo energia no volume de países inteiros.
A previsão é de que, até 2030, o consumo energético da IA se aproxime de tudo que o Brasil consome em um ano.
Data centers gigantescos estão forçando empresas a investir em energia nuclear, linhas próprias de transmissão, resfriamento industrial.
E os chips têm vida útil tão curta que foram comparados a alface: perecíveis, sempre substituídos por versões mais novas, mais famintas, mais caras.
É um modelo que só funciona se todo mundo acreditar ao mesmo tempo.
E esse é o ponto central de qualquer bolha:
“O preço presente depende de uma fantasia futura compartilhada.”
Hoje, a fantasia diz que a IA vai reinventar tudo, gerar trilhões, transformar setores inteiros, redefinir produtividade, automatizar economias, criar mercados e, claro, pagar todas as contas colossais que estamos acumulando.
Talvez aconteça. Talvez não.
O que não dá para ignorar é o descasamento brutal entre custo e retorno, infraestrutura e lucro, expectativa e realidade.
A pergunta não é se existe uma bolha. A pergunta é qual tipo de ajuste teremos:
Estouro?
Desaceleração?
Correção suave?
Redistribuição de capital?
Consolidação nas mãos das gigantes?
Eu não me atrevo a prever o formato, e qualquer um que diga que sabe está chutando com confiança demais.
Mas, se tem algo que aprendi observando ciclos financeiros, é que quando um setor exige explicações demais para justificar seus preços, quando todos se apressam para dizer que “é diferente desta vez”, quando as narrativas ficam maiores do que os resultados…
…é porque, no fundo, todo mundo já sabe.
A bolha não está “para se formar”.
Ela já está formada.
Só falta definir o estilo da queda.
E é aí que volto para o início deste 13º artigo:
Quando os especialistas dizem que está tudo seguro, tudo tranquilo, tudo sob controle…
…é justamente a hora em que eu, sinceramente, começo a olhar para as montanhas.
Daniel Branco
Ser humano, Economista
Empreendedor e Mentor
Especialista em IA Aplicada



