O Papai Noel de Londres (por Luís Giffoni)

Faz um frio glacial aqui em Londres, desses que obrigam urso polar a usar casaco. Frio com vento, chuva e furor para trincar os [...]

Faz um frio glacial aqui em Londres, desses que obrigam urso polar a usar casaco. Frio com vento, chuva e furor para trincar os ossos. Custei a criar coragem para ir à loja de artigos de Natal, perto da casa de minha filha. Fui e volto feliz, rosto congelado e coração quente, carregando a roupa de Papai Noel que vestirei hoje, na noite de Natal. Novinha e cheirosa. A outra, que eu usava há vários anos, está rasgada e fedorenta. Minha neta mais velha já sabe que o avô se esconde atrás dela quando aperto a campainha para trazer os presentes. No ano passado, aos quatro anos, me descartou assim que dei as caras:

– Ah, vovô, você não me engana mais. Eu sei que é você.

Com roupa nova e cara diferente, uma vez mais, serei o Papai Noel de Londres, ou melhor, um Papai Noel em Londres. Papai Noel tropical no meio da noite gelada e talvez alguma neve. Ao alegrar minhas netas, mantenho aceso nelas o fio da fantasia, o espanto que se sente diante do inusitado, o susto diante do sonho que se concretiza, a explosão de alegria frente ao impossível tornado palpável. Eu, que vivo de criar ficção, dessa vez a torno realidade.

Quero o sorriso da Teresa, a caçula, que só agora entende a festa e já me pediu um brinquedo, qualquer um, desde que seja entregue pelo barbudo vestido de vermelho. Quero a lembrança que viverá com ela por algum tempo, quando abrir a porta e dar de cara com o inacreditável.

Quero a curiosidade da Maria, a neta mais velha, que me analisará para ver se está sendo enganada ou vivendo de fato um milagre. Quero a possibilidade de que aceite estar diante do sonho tornado realidade, quero que a felicidade jorre pelo seu rosto.

É esse espanto, é essa curiosidade, é esse inusitado que faz a vida continuar mais vida. É a continuidade do sonho que nos leva em frente. Somos seres feitos de sonhos, disse há mais de quatrocentos anos um bardo nascido aqui na Inglaterra.

Pois que seu Natal seja feito de sonhos, caro leitor. E que, em 2026, muitos desses sonhos se transformem em realidade, apesar de tantos prognósticos desfavoráveis. É o que lhe desejo, tiritando de frio, enquanto aguardo o momento de colher sorrisos. Um sorriso, às vezes, basta para nos fazer felizes. Mesmo sem um Papai Noel para trazê-lo.

Luis Giffoni é Escritor, Membro da Academia Mineira de Letras. Prêmio Jabuti

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