O Brasil tomou bomba no home schooling (por Claudio de Moura Castro)

Dependendo do astral e dos humores do dia, nosso ensino é visto como catastrófico ou fraquinho. Mas nada melhor do que isso. [...]

Dependendo do astral e dos humores do dia, nosso ensino é visto como catastrófico ou fraquinho. Mas nada melhor do que isso.

Em um ou dois anos se aprende a ler, mas dado o uso de técnicas equivocadas, o processo costuma ser bem mais longo, se é que tem sucesso. Ao final do médio, apenas 11% dos alunos atingem o nível prescrito em Matemática. A carreira docente permite demasiadas faltas e garante a estabilidade funcional de péssimos professores. As Faculdades de Educação formam professores pela via de currículos totalmente equivocados. Os matriculados nos cursos federais de Pedagogia se situam dentre os alunos mais fracos. Gastos adicionais, por aluno, não melhoram o aprendizado. A lista segue, mas para o presente propósito, não precisa se alongar mais.

São consensuais as críticas acima? Na verdade, nem, tanto. Daí que mereceriam ser objeto de mais ampla discussão.

Em paralelo a temas tão candentes, há da ordem de 0,3% dos jovens brasileiros cujos pais se dispõem a educá-los, em vez de manda-los para a escola. Seja por razões religiosas, seja por temerem a violência de certas escolas, não importa. Decidem fazer o serviço em casa.

Provoca abalos sísmicos no mundo da Educação essa disposição de fazer como algumas famílias americanas que também optam pelo home schooling. Iras, protestos e invectivas se multiplicam. Após muito tiroteio, em 2023, o Congresso aprovou essa alternativa, impondo algumas exigências perfeitamente razoáveis.

Como ficará claro adiante, meu tema não é propriamente home schooling, mas uma reflexão sobre os terremotos políticos que provoca. Ainda assim, vale uma pequena digressão sobre os méritos do ensino caseiro de assuntos de escola, para espantar visões cataclísmicas.

Os pouquíssimos pais interessados nela, ipso facto, são gente altamente comprometida com a educação de seus filhos – e segundo a lei, terão que ter diplomas universitários ou técnicos – não surpreenderá se mostrarem desempenho acima da média brasileira. Os alunos serão submetidos aos testes usuais de aproveitamento escolar e se não atingirem certos limiares de aproveitamento serão obrigados a frequentar uma escola presencial. O ponto mais crítico é uma possível perda no processo de socialização dos jovens, junto a seus pares. Mas nesse particular, a experiência americana vem de longa data. Basta consultar os estudos já realizados naquele país para verificar que não está criando párias sociais ou problemas de relevo.

Em poucas palavras, é uma iniciativa minúscula e com vaguíssimos cenários de tornar-se uma fonte de problemas. Tampouco assusta um eventual crescimento explosivo da matrícula, pois exige um esforço gigantesco por parte das famílias. Poucas estão dispostas a enfrentar a monumental carga de trabalho a que se impõem. Finalmente, mesmo que viesse a ser um desastre, seria de porte diminutivo, um grãozinho de areia, no deserto do nosso ensino.

Mas em vez de discutir os grandes problemas da nossa Educação, o Brasil se digladia no assunto da home school, mobilizando uma massa enorme de gente, incluindo as equipes do MEC. No bizarro PNE, problemas como os mencionados ao início recebem pouco debate e nenhuma definição. Em vez disso, o não-problema do home schooling vira um campo de batalha, consumindo resmas de papel e discursos inflamados. Ao final, foi banido do Plano.

Por que são ignorados os grandes problemas, em benefício de uma migalha de assunto? Por que se deixam de lado os macroproblemas, afetando da ordem de cinquenta milhões de alunos?

A tese do presente ensaio não é, propriamente, o home schooling. É aqui trazido como exemplo de distorções crônicas nos debates educacionais. Por que discutir um ínfimo cantinho da educação e não as espinhosas arestas dos grandes problemas? 

Infelizmente, parece que ideologia é mais importante do que Educação. É esquerda contra direita. No caso, é a crença na liberdade de cada um, versus o intervencionismo de outros. Sem dúvidas, é um tema crítico nas democracias. Porém, no presente caso, sua aplicação está restrita a um universo muitíssimo circunscrito, não merecendo o tempo que consome.

Nossas batalhas ideológicas já veem de longe. Na década de trinta, incomensurável energia dissipou-se na discussão do ensino privado contra o público, como se as duas modalidades não pudessem coexistir – o que vemos hoje como possível.

É difícil imaginar um progresso sólido da nossa cambaleante Educação sem que seus grandes problemas sejam enfrentados. Porém, desperdiçamos tempo discutindo a Teoria da Reprodução ou a Teoria do Imperialismo Cultural, ambas prenhes de tons ideológicos.

Nos dias de hoje, persiste-se na defesa de métodos de alfabetização já abandonados por todos os países bem-sucedidos em sua Educação.

Esse assunto nos leva a denunciar a ausência grotesca do método científico, cujo papel é dirimir tais controvérsias. De fato, em problemas do mundo real, o que conta é o que nos informa a boa pesquisa. Alfabetização se mede. Logo, a questão é simples: qual método alfabetiza melhor? Basta olhar os números. A essência da distorção é a recusa em aceitar como o critério decisivo o que nos diz o mundo real.

Vivemos e operamos pautados por valores e visões de mundo. Não há como ignorá-los. Mas o que é igualmente inaceitável é ignorar a realidade concreta. Estamos mal se a observação sistemática é renegada, em prol da fé em alguma ideia salvadora. Desde que a crença na razão se consolidou, os assuntos do mundo real se resolvem observando o que diz essa realidade e não em digressões buscando pureza ideológica.

Mas nisso tudo há também uma covardia algo embaraçosa. É muito conveniente assestar baterias em um grupo ínfimo e perdido pelos brasis. É indolor para os dedos acusadores. Em contraste, os grandes problemas são espinhosos. E sua solução pisa em muitos calos, cujos donos são bravos. Daí que os incomodados rosnam e contra-atacam.

A batalha campal do home schooling é mais uma manifestação da nossa recusa em examinar os nossos grandes problemas. Para fugir deles, nos refugiamos em um não-problema – quando nada, pelo seu porte diminuto. E passamos longe dos equívocos, culpados pelo nosso medíocre desempenho. Ao transformar essa modalidade de ensino em um campo de batalha, mais uma vez, a sociedade brasileira toma bomba. Errou na escolha do problema. Faltou coragem para enfrentar os belzebus mais truculentos.

Claudio de Moura Castro é Ph.D. em Economia pela Universidade de Vanderbilt. Foi Professor Visitante em várias Universidades, como Chicago, Genebra, Borgonha, FGV, Brasília. Foi Presidente da CAPES. Autor, Prêmio Jabuti.

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