JK e os países condenados à dependência econômica e a educação para o desenvolvimento (por Carlos Alberto Teixeira de Oliveira)

O texto, a seguir, é do discurso do presidente Juscelino Kubitscheck realizado no Palácio do Itamarati, analisando a política externa, durante reunião da [...]

O texto, a seguir, é do discurso do presidente Juscelino Kubitscheck realizado no Palácio do Itamarati, analisando a política externa, durante reunião da Comissão Brasileira da Operação Pan-Americana continental – ocorrida no Rio de Janeiro, em 6 de dezembro de 1959:

“Carecemos, em primeiro lugar, de uma nova política da qual decorra a articulação e execução de enérgicas medidas de natureza concreta. Sabemos, todos nós, que urge acompanhar o ritmo do mundo moderno, que não podemos viver apenas de vagas aspirações, quando temos diante de nós uma grande e bem definida tarefa. Essa há de ser também um ideal, obrigação, ponto de honra e dever. Não mais consentiremos, sem desdouro, que continuem na miséria, vegetando em condições atentatórias aos nossos princípios mais caros de respeito à pessoa humana, esses milhões de se res que o destino fez cidadãos do Novo Mundo.

A nossa verdadeira causa, a causa que nos reclama e congrega, não pode deixar de ser prioritariamente a da nossa prosperidade, a da nossa melhoria, a da libertação de parte considerável de nossas populações ainda privadas dos elementos indispensáveis a uma existência condigna, à altura dos ideais de bem-estar individual e coletivo que inspiram a democracia. Não podemos estar sinceramente integrados em qualquer pensamento, sistema ou linha de ideias que não signifique, ao mesmo tempo, uma garantia para nossa liberdade e um caminho para nossa segurança. Por amarga experiência própria, já nos convencemos de que os países que só podem tirar o seu sustento da extração e comércio de matérias-primas, são países condenados à dependência econômica, à estagnação, a um incerto e perigoso futuro. Nossa determinação de pro mover o desenvolvimento e incrementar o processo de industrialização do país não decorre de uma ambição excessiva, mas da nossa convicção de que estaremos em perigo, como nação, se agirmos de outro modo.

Sabemos que, em todas as atividades da produção que constituem

fontes de divisas, teremos de enfrentar as competições de países em que o trabalho é mais bem apoiado mecanicamente, ou recebe remuneração inferior, porque menos livre. Não ignoramos as graves ameaças que pesam sobre nós em razão de uma tecnologia a que não temos ainda acesso e que não reconhece limites às suas possibilidades. Sentimos o risco de não recuperarmos a distância perdida, se nada fizermos para romper os isolamentos nacionais e concertar uma ação unida, que evite a dispersão ou a duplicação inútil de energia”.

SALTO DESENVOLVIMENTISTA

JK fez, a seguir, considerações sobre o Programa de Metas, estabelecido quando ele assumiu a presidência da República:

“As cifras, ou melhor: os alvos prefixados poderão parecer hoje reduzidos, dado o violento avanço tecnológico que subverteu os padrões pelos quais se mede atualmente a evolução dos povos em qualquer estágio de sua evolução. Se hoje o Brasil é um país em pleno desenvolvimento, naquela época era, como as demais nações da América Latina, um exemplo do que Servan-Scheiber denominou uma ‘economia coagula da’. Os diferentes ciclos da sua economia – a cana-de-açúcar, o pau-brasil, o fumo – estiveram submetidos durante séculos a métodos de exploração predatória, sendo antes objetos de troca do que propriamente de um comércio regular.

O fim do século XVIII, que assistiu à decadência da lavoura de cana, testemunhou, por outro lado, o ad vento da era do ouro, que se prolongou por um século e meio, seguida, imediatamente, pela do diamante, fechando-se a saga da exploração do solo com a abertura das lavouras de algodão. Durante os trezentos anos da colonização portuguesa, a mão de obra utilizada era a do escravo e continuou a sê-lo depois da criação dos cafezais, o que foi a principal riqueza do Brasil desde o abandono das mi nas até 1955, quando me candidatei à Presidência da República. A única diferença observada, no trato dessa lavoura, fora a troca do trabalho es cravo pelo trabalho de colonos livres, muito embora, no que dizia respeito à qualificação profissional, ambos se equivalessem.

Quando governador de Minas, entrei em contato direto com a realidade brasileira e fiquei alarmado. Não era possível que uma nação, rica e poderosa em recursos naturais como o Brasil, houvesse ignorado a Revolução Industrial do século XIX e permanecesse curvada sobre a terra, recorrendo aos mesmos tacanhos processos agrícolas que haviam caracterizado a era colonial. Alguma coisa tinha de ser feita, para que o Brasil se auto firmasse. Concebi, então, o binômio Energia e Transportes.

Ao candidatar-me à Presidência da República, elaborei o Programa de Metas. Não se tratava de um dia grama rígido, mas de um plano de ação flexível, o qual, após a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico, no primeiro dia do meu governo, passou a ser revisto quase mensalmente, com a ampliação das cifras-alvos e a abertura de novas fronteiras, visando à preparação do Brasil para o grande ‘salto desenvolvimentista’, que o desvincularia da estagnação de quatrocentos anos do seu passado. O que pretendi com 30 metas iniciais e mais a ‘”meta síntese”’ – a construção de Brasília – foi dar um arranco no país, para que ele acordasse, pusesse em ação suas energias latentes, compreendesse, enfim, que era uma Nação e, como tal, deveria disputar seu lugar no cenário internacional. Essa ação, que não deixava de ser violenta, desdobrou-se em dois planos perfeitamente distintos, mas interligados: a) no terreno psicológico, através de uma incessante pregação desenvolvimentista; b) no âmbito prático, realizando, em tempo recorde, todas as obras de infraestrutura de que o país necessitava. E os números, melhor do que as palavras, revelam que obtive êxito nessa norma de procedimento”.

EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO

JK deu as seguintes explicações sobre o Programa Educação para o Desenvolvimento, implementado durante o seu governo:

“Assisti ao encontro de duas gerações. Aquela, à qual pertenço, e a que começava a disputar, com vigor jamais verificado em qualquer época da História, o seu lugar ao sol. No meu tempo, vivia-se numa sociedade harmoniosa, onde cada um, ao concluir sua educação, já sabia o lugar que iria ocupar na escala das relações humanas. Vivemos uma era de desafios. A concorrência se agrava cada dia e, conquanto se amplie o mercado de trabalho, este só se faz acessível aos que possuem determinadas especializações. A cultura, ao lado da saúde, desempenha um papel cada dia mais relevante na estruturação da sociedade que evolui a nossos olhos. Entretanto, a cultura que o mundo moderno requer é de um tipo integrativo, amalgamador, cuja plasticidade serve às exigências de uma sociedade em violento processo de transformação. Na realidade, a civilização, ao invés de evoluir, deu um salto, e o contexto sociológico se fragmentou.

Em face da tarefa que teria de empreender, recorri ao exemplo da His tória. Em todos os países, a educação sempre procedeu do desenvolvimento. Forma-se o arcabouço econômico através de obras de infraestrutura e, depois, sobre essa base sólida, planta–se a bandeira da educação em massa. Assim aconteceu nos Estados Unidos, após a febre do petróleo que lhes fez a redenção econômica. Assim ocorreu nas nações da Europa, após o estabelecimento de uma nova sociedade gerada pela prosperidade, decorrente da Revolução Industrial. Essa lógica foi invertida apenas nos países comunistas, onde o Estado, fazendo valer o peso da prioridade ideológica, sacrificou o bem-estar da população, em benefício da alfabetização em massa.

Através de um esforço quase sobre-humano, criei a plataforma de conquistas sociais e econômicas, na qual o país poderia se apoiar para empreender, num segundo turno, o grande salto para vencer a barreira do analfabetismo e da despreparação intelectual e técnica. Ao conjunto de Metas, em que haviam sido fixa

das as diretrizes estruturais do meu plano de governo, deveria corresponder necessariamente uma filosofia de educação. Estabeleci, pois, em doze proposições, as diretrizes que forçariam a adequação do sistema educacional à transformação que se estava operando no país. Assentou–se como princípio que a educação secundária perderia seu caráter de ensino médio, para se transformar num impulso autônomo, convertida em aspiração geral de preparo a que tendia a coletividade. O ensino superior, compartimento segundo o sistema tradicional de escolas e cursos estanques, teria de obedecer à flexibilidade dos currículos para ser integrado em faculdades e em cursos, com seus planos de estudo ajustados às demandas sociais do país.

A este sistema, revolucionário em muitos aspectos, denominou-se ‘Educação para o Desenvolvimento’, refletindo de forma explícita seus reais e permanentes objetivos. O sistema não era, como à primeira vista se poderia supor, uma educação puramente técnica, sem objetivo ético e sem conteúdo humanístico. A décima segunda proposição, em que se baseava, estabelecia que, à luz das suas diretrizes, a educação correspondia a um novo humanismo pedagógico, no qual o indivíduo era visto como protagonista de sua época. Ao enfrentar o problema educacional, procurei situar o estudante na posição que lhe deve caber no espetáculo da civilização”.

De acordo com JK “o progresso é um fenômeno integrado. Quando se abre uma rodovia, a região por ela beneficiada alarga suas exigências. O horizonte se abre para todos e logo surgem novas necessidades de consumo. O homem, prisioneiro da acanhada realidade anterior, sente-se liberto e, estreitando seu contato com o mundo, passa a ser vítima de emu lações. Se não tinha geladeira, passa a desejá-la, porque a viu na casa dos seus amigos. Se não lia jornais, começa a lê-los, interessando-se pelo que ocorre além das fronteiras de sua província. Em termos de realidade primária, esta é uma imagem simplista do progresso. Entretanto, quando transportada para o plano espiritual, ela se apresenta bem mais complexa. As exigências se transformam em ânsia de conhecimento, e esta, não sujeita a limitações, impõe novas relações intelectuais e éticas. Meu programa, denominado ‘Educação para o Desenvolvimento’, levara em conta esses condicionamentos. Seu objetivo não era apenas dar educação, mas preparar a juventude de forma a ajustá-la às exigências do progresso”

Carlos Alberto Teixeira de Oliveira é Administrador, Economista e Bacharel em Ciências Contábeis, com vários cursos de pós graduação no Brasil e exterior. Ex-Executive Vice-Presidente e CEO do Safra National Bank of New York, em Nova Iorque, Estados Unidos. Ex-Presidente do BDMG-Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais e do Banco de Crédito Real de Minas Gerais; Foi Secretário de Planejamento e Coordenação Geral e  de Comércio, Indústria e Mineração; e de Minas e Energia do Governo de Minas Gerais; Também foi Diretor-Geral (Reitor) do Centro Universitário Estácio de Sá de Belo Horizonte; Ex-Presidente do IBEF Nacional – Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças e da ABDE-Associação Brasileira de Desenvolvimento; Atualmente é Coordenador Geral do Fórum JK de Desenvolvimento Econômico; Presidente da ASSEMG-Associação dos Economistas de Minas Gerais.  Presidente da MinasPart Desenvolvimento Empresarial e Econômico, Ltda. Vice-Presidente da ACMinas – Associação Comercial e Empresarial de Minas. Presidente/Editor Geral de MercadoComum. Autor de vários livros, como a coletânea intitulada “Juscelino Kubitschek: Profeta do Desenvolvimento”. Artigo publicado na Revista Mercado Comum, Edição 351 – Novembro de 2025

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